Celebrou-se, na quarta-feira passada, dia 9 de Julho, o Dia Mundial pelo Desarmamento e a Polícia de Segurança Pública não encontrou melhor forma de relembrar a efeméride do que levar a cabo, por antecipação, no auditório do Comando Metropolitano de Lisboa, um inusitado leilão onde trouxe à praça 260 armas de fogo que possuía em seu poder, recolhidas no âmbito de vários processos-crime ou entregues voluntariamente às autoridades por cidadãos preocupados com o desarmamento.
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É verdade! A crise não poupa ninguém e a Polícia de Segurança Pública não havia de ser excepção. Nos lotes colocados a leilão havia um pouco de tudo: revólveres, pistolas, carabinas, armas desportivas e espingardas com nomes tão insondáveis como os apelidos dos agentes da "Balada de Hill Street": Walter, Sig-Sauer, Parabellum ou Beretta. Ao que parece, somente dezanove (19) das duzentas e sessenta (260) armas - cuja base de licitação era tão acessível quanto 50 ou 100 euros - acabaram por não ser licitadas, o que significa que duzentas e quarenta e uma (241) dessas armas, tendo existido uma janela de oportunidade para serem retiradas de circulação a fim de que mais ninguém, digamos assim, se magoasse, ganharam ao invés salvo-conduto para regressar às ruas, às rixas, aos becos, às caves pela mão da própria Policia (de quê?) de Segurança Pública.
O cronista, estupefacto, não tendo a pretensão de saber tudo, desconhecia que este tipo de obscenidade pudesse ser legal; ele próprio já tem folheado revistas em estações de serviço, às escondidas, com menor grau de obscenidade. E, mesmo perante o mais frequente cenário da apreensão de droga e estupefacientes, confessa que a pior imagem que lhe vem à cabeça - ah!, os vícios da imaginação literária! - é a de uma inebriante fogueira a arder tarde fora nas traseiras de uma esquadra, para gáudio dos agentes de folga das unidades mais próximas que, alertados para o "magusto", resolvessem passar por ali (sniff!) apenas para dar (sniff!) um abraço. Não, não passa pela cabeça do cronista que se possa fazer um leilão de droga apreendida para financiar as obras inacabadas do telhado da esquadra. Ou "passa"?
Bem sabe este vosso amigo que, supostamente, o lucro de 70 mil euros obtido com o insólito leilão de armas mortíferas vai direitinho para os cofres dos Serviços Sociais da PSP onde certamente irá ajudar a salvar a vida dos abnegados profissionais, suas mulheres e criançada. Como também não desconhece que os licitantes presentes na sala eram coleccionadores, armeiros, praticantes de tiro desportivo ou agentes da Polícia, a quem foi autorizada a participação no festim por apresentaram licença válida de uso e porte de arma. Mas, numa altura em que o documento oficial do Governo que contabiliza o número de pessoas assassinadas em Portugal em 2013, regista 116 crimes de homicídio voluntário - menos 34 do que os 150 que, na verdade, ocorreram segundo a Polícia Judiciária - o insondável leilão não deixa de conter em si duzentas e quarenta e uma (241) oportunidades perdidas para evitar que alguém possa vir a ser ameaçado, coagido, roubado ou assassinado sabendo-se de antemão que a maior parte dessas armas, mais cedo do que tarde, acaba no mercado negro depois de os compradores verem as suas residências ou lojas assaltadas, quando não são os próprios a transaccioná-las.
Há dias, em Lisboa, duas crianças foram feridas a tiro de caçadeira e de revólver num ajuste de contas entre indivíduos de diferentes etnias, ocorrido na Ameixoeira; em Valença do Minho, uma adolescente de 15 anos foi hospitalizada depois de ter sido atingida a tiro quando fazia a recolha de animais num terreno agrícola na freguesia de Fontoura; e, na praia de Matosinhos, dezenas de pessoas fugiram em debandada depois de terem sido disparados tiros para o ar, na sequência de uma discussão entre casais. Em qualquer dos casos, chamada ao local, a PSP não conseguiu apreender qualquer das armas utilizadas.
Considerando a importância dessa fonte de rendimento para o organismo tutelado pelo senhor ministro, Dr. Pôncio Pilatos, temo pelo futuro dos Serviços Sociais.