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Da noite para o dia, passamos de ter tudo para voltar a ter tudo na mesma. Vamos ter dois novos aeroportos. Sai despacho. António Costa diz que não sabia. Não gosta. Já não vamos ter dois novos aeroportos. Anula-se despacho. Pedro Nuno Santos sai, não sai. Ninguém percebe o que se passa. Os esclarecimentos também demoram. O primeiro-ministro não se explica aos portugueses porque está em Madrid (já não há paciência para estes protocolos anacrónicos). O ministro das Infraestruturas fala, mas não responde aos jornalistas porque levou um puxão de orelhas e foi publicamente desautorizado. Mas pede desculpa, invoca um percurso de sete anos e fica.
Se o país já tem problemas suficientes para perder tempo com a realpolitik, guerrilhas pelo poder e calculismos, menos tempo tem ainda para estas trapalhadas que fariam qualquer um corar de vergonha.
É difícil acreditar que o anúncio de uma das obras públicas mais importantes e decisivas para o país tenha sido mal gerido, mal negociado. É difícil acreditar que não haja consciência do ato de má gestão. Com esta dimensão política, é praticamente impossível acreditar "no erro de comunicação" a que o ministro arrependido alude. E é difícil compreender que um primeiro-ministro com a experiência de António Costa aceite ver a sua autoridade posta em causa sem tirar consequências.
Após uma discussão de quase meio século sobre o novo aeroporto de Lisboa, após terem sido avançadas dezenas de hipóteses sobre a sua localização, após o Estado gastar mais de 70 milhões de euros em estudos, relatórios, consultorias e projeções, eis que assistimos a uma história mal contada.
Vivemos numa época que é incompatível com qualquer previsão, seja política, social ou económica. A experiência vivida por todos nós nos últimos dois anos desmonta qualquer tentativa de perspetivar o futuro. Mas cabe aos governantes criar a estabilidade possível para que o país cresça, para que os projetos avancem, e para que o funcionamento adequado dos órgãos de soberania não seja posto em causa.
As circunstâncias atuais exigem ainda mais responsabilidade. Não foi o que vimos anteontem. Não foi o que vimos ontem. Resta-nos a promessa de trabalho de Pedro Nuno Santos, a garantia de uma "amizade" sólida deste com António Costa e a certeza de que tudo muda de um dia para o outro.
*Diretor-adjunto