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O JN publica nesta edição um trabalho que coloca a descoberto a face negra da moeda dourada da inflação. Sim, ela baixa mas nos produtos essenciais está longe de ser um alívio para os portugueses com rendimentos mais baixos ou até para aqueles que, por enquanto, estão apenas a perder poder de compra, infelizmente um empobrecimento que atinge cada vez mais concidadãos daquilo que nos habituamos a designar por classe média.
Esta realidade é tão patente que a breve trecho o mais provável é que os cortes ditos inevitáveis no nosso modelo social passem ser medidos também em número de pobres a criar.
Este horizonte dramático não surge em nenhuma das contas, nem nas medidas que o mais recente relatório do FMI avança para Portugal obter um corte de quatro mil milhões na despesa do Estado.
O despedimento de 100 mil funcionários públicos que o dito documento aponta é o exemplo mais acabado da mais completa insensibilidade a esse horizonte de pobreza que se divisa no futuro português. E, pior, é a expressão insustentável de um joguinho de números que nada garante sequer sobre a qualidade desses cortes. Bem pelo contrário, garante, isso sim, é que todos teremos de pagar, com os nossos impostos, é claro, 100 mil novos desempregados de longa, para não dizer eterna, duração.
Olha-se para estes joguinhos abstratos de números e não se acredita que os políticos os pratiquem com gozo. E até se pode duvidar que os pratiquem no sentido de serem eles, os políticos, que definem as premissas desses números.
A dúvida assaltou-me ao ler a entrevista da diretora-geral do FMI ao "Expresso" de sábado passado. Questionada sobre os riscos que corremos com as derrapagens dos números do défice, do PIB ou do desemprego, Christine Lagarde remata as suas considerações - entre as quais a de que "estamos, claro, preocupados com o aumento do desemprego..." - com um mandamento que manda às malvas os cortes pelos cortes e os números pelos números. "O ajustamento estrutural é mais importante do que as metas nominais", disse ela. Espero, pois, que a realidade da evolução do processo de ajustamento português venha a ser ditada por este mandamento e que Passos Coelho tenha poder político para repetir aos técnicos da troika o que ontem nos garantiu: que o relatório do FMI não é a Bíblia do Governo. Veremos, então, quem manda aqui: se os técnicos do FMI ou Passos Coelho. Ou até se Christine Lagarde manda mesmo no Fundo? A dúvida é legítima e deve preocupar o nosso Primeiro sabendo que da Goldman Sachs (a banca que, entre outras coisas, ajudou a encobrir dívida soberana e com ela ganhou) saltaram altos funcionários para governar a Grécia, a Itália e o Banco Central Europeu.