Nos tempos que correm a insegurança patrimonial e pessoal é cada vez maior. Por um lado, podem pulverizar-se poupanças e, por outro, pode morrer-se ou ficar-se sem nada de valor em casa, no carro ou no bolso. Em razão direta da crise, do espaço Schengen ou de outra coisa qualquer, o facto é que cada vez temos mais conhecimento de pessoas e de casas que foram assaltadas. Ao nosso lado, à nossa frente, no nosso bairro.
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De manhã, de tarde, de noite. Na maioria das vezes sem gente em casa. Misteriosamente sem deixar rasto, sem fazer barulho, sem que ninguém veja ou diga nada.
Tenho, infelizmente, experienciado isto na pele. Em menos de dois meses, duas pessoas próximas viram as suas casas assaltadas sem que tivessem ficado quaisquer peças de valor.
Os processos policiais e judiciais associados encheram-me de perplexidades.
Por um lado a Polícia. Tem-se direito a duas prestimosas visitas. Primeiro a equipa que toma conta da ocorrência. Depois a equipa técnica especializada que (devia) tomar conta da investigação.
A primeira equipa apresenta-se sem um pingo de surpresa, cansada mesmo de presenciar episódios semelhantes. Preenche os papéis cuidadosamente entrecortando a tarefa de uns desanimados "é sempre isto", "não há qualquer hipótese de evitar", "abrem qualquer fechadura", "têm todas as gazuas", "câmaras? Roubam-nas", "...imagens? Tapam as câmaras", "Número de telefone, se faz favor!". Nesta fase, já o lesado passou do mais puro pânico a uma semirresignação que volta ser pânico quando à queima-roupa tem de tentar dizer tudo o que pensa ter sido roubado. Esta parte da informação é recebida com um ar quase interessado, quase coscuvilheiro.
Despedem-se com um simpático "os colegas da Polícia Técnica vão ligar amanhã". E assim acontece. Na manhã seguinte, chega a equipa técnica que, para alegria dos mais pequenos, pincela de pó branco algumas superfícies à procura de impressões digitais.
Novo desengano. "A esta hora já está tudo derretido". "Pegam nas peças e numa hora estão em Espanha". E então as impressões digitais? "Estão sempre a mudar. Só servem se mais tarde voltarem a reincidir. "Nem deu para arregalar os olhos. Já se ouvia, "Mas mudam muito. Normalmente não voltam a aparecer".
Os lesados mais instruídos ainda perguntam: "mas, e ninguém, não vai atrás dos suspeitos?" A resposta é quase automática "Nestes casos, e se não houver suspeita declarada sobre alguém por parte do lesado, o caso é arquivado sumariamente".
O que se segue confere. Há umas notificações que desembocam na declaração sumária de arquivamento. Com a agravante de para se conseguir ter o Auto de Polícia para se avançar com a negociação junto da seguradora (a haver seguro) ter de se esperar mais de um mês e ter de se pagar pela fotocópia. Claro que, pelo menos no Porto, o papel tem de ir de perto da Rua do Heroísmo para a perto Praça do Marquês. Deve ir a pé....
Visto de fora é caricato. Visto de dentro é desolador para quem perde os bens e se sente muito inseguro na sua própria casa e muito desrespeitador da valorização profissional dos nossos agentes e funcionários judiciais.
Porque, entendam-me, salvo em pequenos pormenores a minha perplexidade não tem a ver com as equipas cujo trabalho presenciamos. Tem a ver sim com quem gere e organiza o sistema.
É provável que não haja gente suficiente mas deve seguramente existir espaço de manobra para uma enorme otimização de recursos. Por que não se mobilizam todos os que prestam serviço nas várias "forças da ordem" e até no Exército? Por que não se compatibilizam sistemas de reconhecimento? Por que não se coordenam os serviços pelo menos com os congéneres transfronteiriços para que a alegada passagem para Espanha não seja tão incólume? Por que não se ensaiam serviços de policiamento mais modernos com base nas novas tecnologias? Por que não se distingue bem o que é "invasão da propriedade privada" de um "reconhecimento por motivos de segurança justificada" (mesmo que se desconfie logo de um vizinho, Deus nos livre de sugerir uma vistoria à respetiva casa)?
Para avançar por aqui não é preciso mais recursos. É preciso mais "massa cinzenta" de quem gere! E mais respeito por quem se gere!