O proto-candidato a primeiro-ministro, ou a presidente da República, ou a outra coisa qualquer que o resgate das funções atuais, demasiado pequenas para o legítimo desejo de conduzir à glória um povo que caminha cabisbaixo e de alma enrugada, tem transformado Rui Rio num extraordinário avatar do típico português que, perante as tortas circunstâncias, grita: "Agarrem-me senão eu mato-o"! A seguir dá um passo atrás e aproveita o recuo para se lançar nos braços de quem, pela certa, não o deixa avançar para o barulho. Convenhamos: não é uma imagem politicamente sadia, esta que resulta das sucessivas intervenções do ex-presidente da Câmara do Porto.
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"Se as coisas evoluírem de tal forma que um dia seja absolutamente claro que há muita gente que o deseja muito, que deposita muita confiança em mim e que, por um conjunto de circunstâncias quer que eu vá, se eu sentir que isso é realmente um movimento grande, é evidente que dificilmente uma pessoa pode defraudar", admitiu Rui Rio numa recente entrevista, quando questionado sobre uma eventual candidatura à liderança do PSD. Este tique, tributário do mais puro messianismo, é visto por muita gente (designadamente aquela que nos bastidores anda há muito a aplanar o terreno, sonhando com a chegada de Rio) como o exemplo do despojo com que o ex-autarca encara o poder: se algum dia a campainha tocar, ele abre a porta; se não tocar, continuará feliz. Pura ilusão.
Rui Rio sabe muito bem que o impasse incrustado na política portuguesa terá de ser desfeito mais cedo do que tarde. E ele quer participar no desfazer desse nó górdio, de preferência como ator principal. Sucede que, olhando em volta, os nós mais difíceis de romper estão fora do seu partido. Para que se concretize a teoria defendida por Rio - mais coisa, menos coisa: isto não se resolve com uma maioria absoluta, mas sim com um acordo entre, pelo menos, os partidos do arco da governabilidade que promova uma refundação do regime -, é preciso estabilidade à Esquerda e à Direita.
Ora, estabilidade à Esquerda é coisa que não se vê: o PS está em frangalhos e as feridas das primárias deixarão marcas profundas; o Bloco de Esquerda encontra-se em adiantado estado de desagregação; e o PCP é o que sempre foi e será: um partido agarrado ao dogmatismo que jamais embarcará em alianças espúrias, de acordo com o ideário comunista. À Direita, o panorama não é melhor: o CDS/PP ora é fiável, ora não é - depende dos humores do líder; o PSD agita-se na preparação do pós-Passos. Curiosamente, goste-se ou não, a teimosia de Passos Coelho é, para o bem e para o mal, o único fator de estabilidade dentro deste carrossel.
De modo que, considerado este panorama, um destes dias, quando Rio voltar a pedir que o agarrem terá pouca gente à volta disposta a fazê-lo. Na política a inconsequência costuma sair cara.