Corpo do artigo
Em Junho passado, o Governo aprovou a chamada Agenda Anticorrupção, que se traduz num pacote de 32 medidas, visando a prevenção, punição efectiva, celeridade processual e protecção do sector público. Embora o documento se limite a anunciar directivas e as suas razões justificativas para o posterior trabalho de elaboração de um projecto de lei, a levar a cabo por uma comissão, nomeada pela ministra da Justiça, da respectiva leitura detectam-se, em minha opinião, medidas positivas, outras de pouca ou nenhuma relevância e ainda outras de difícil conformidade constitucional. Porque neste espaço não caberá uma análise pormenorizada de todas, focarei apenas três delas que se me revelam das mais impressivas, positiva ou negativamente. Começando pela regulamentação da actividade do lobby, importa referir ser uma questão polémica, havendo quem a considere perniciosa, na medida em que irá como que legitimar o crime, aparentar uma actuação de corrupção em actividade de lóbi. Certo é que este existe de facto e torna-se nebulosa a distinção entre a prática de corrupção e a utilização da actividade lobista. Parece-me preferível a criação de uma regulamentação, cuidada e rigorosa que permita identificar, com transparência e ética, uma actividade negocial. Quanto à pretensão de criar um novo paradigma de perda alargada de bens a favor do Estado, parece-me redundante voltar a legislar sobre o tema, porquanto o mesmo já está contemplado na Lei 5/2002, de 11.1. Por outro lado, a pretensão de declarar perdidos bens do arguido que foi absolvido não se contém nos limites da CRP. O arguido é julgado por crime de corrupção, se for absolvido, o Estado não poderá beneficiar dos bens daquele elencados na acusação porque se presumia resultarem de vantagem daquela actividade criminosa, sublinhe-se que não ficou provada. Seria condenar o proprietário contra direito. No âmbito de um processo penal, os contornos da perda alargada de bens pretendido pela Agenda parece-me um meio abusivo de alcançar as vantagens patrimoniais para o Estado pretendidas com a criminalização do enriquecimento ilícito que foi considerada inconstitucional. Quanto à operacionalização de um canal de denúncias único de todo o Governo, confesso não entender o alcance da medida. Um canal único de denúncias do Governo... Quem, se não o MP, que dirige a investigação e leva a cabo acções de prevenção, deverá ser o destinatário desse canal? O Governo, poder executivo, substitui, sobrepõe-se ao poder judiciário?! Parece um absurdo.