Descurar a análise do nosso modelo de governação e intervencioná-lo de forma atrabiliária e incoerente foi, até agora, matéria de iniciativa política pouco credível.
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A crise sanitária provocada pela infeção do novo coronavírus (covid-19), pode bem ter transformado o tema em caso de polícia.
Um olhar atento sobre o que se passa pelo Mundo mostra que a pandemia teve sobretudo, em cada país atingido, um impacto territorial. Em Itália, na Alemanha, em França, como cá, o vírus não se espalhou homogeneamente. Uma ou mais regiões concentraram a larga maioria dos casos registados. Número de infetados e fatalidades.
Um recentíssimo estudo da OCDE - The territorial impact of covid-19 - managing the crisis across levels of government - diz tudo. Ilustra o impacto territorial e regional e mostra como a maioria dos países usou corretamente os seus múltiplos níveis de governação para pôr a funcionar os vários tipos de resposta necessários.
Os países com um processo de descentralização consolidado viram rapidamente chegar à base a flexibilidade e o acréscimo de meios imprescindíveis a uma atuação rápida e eficaz. Os países mais centralizados, mas igualmente estáveis quanto às funções que cada nível desempenha, viram criados ou reforçados organismos desconcentrados fiáveis e ágeis.
Em Portugal a resposta poderia estar no reforço da administração desconcentrada. Mas a que conhecemos tem poucos recursos e nenhuma autonomia. Pior, segundo o Relatório da Comissão Independente para a Descentralização, nem sequer sabemos com o que conta nem como se organiza. Não há nem um mapa.
Foi, mais uma vez, o poder local o grande protagonista de uma ação de precisão para a qual não tem meios, nem competências.
O problema é que, hoje, morrem pessoas. E a poucos restam dúvidas que poderiam ter sido menos se quem está no terreno fizesse parte de um modelo multinível, consistente e bem articulado.
Por isso, talvez a insistência em planos soltos e processos incompletos deixe apenas de ser política de má qualidade e passe a ser crime. Que pesa em todas as nossas consciências.
*Analista financeira