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Geralmente, não pensamos nas consequências políticas das grandes catástrofes humanitárias. Parece natural que, face a terramotos e macaréus, incêndios e vendavais, a primeira reacção seja a da ajuda, pura e simples. Muitos intermediários - espera-se sempre que honestos - encaminham a generosidade de doadores anónimos e públicos, de todo o mundo, para os afectados. Foi assim no tsunami asiático, ou na confrangedora destruição do Haiti. Tem sido assim em muitos aspectos da fome em África.
Com as devastadoras cheias no Paquistão, que repetem as tragédias de 1970, temos menos vidas perdidas do que noutras instâncias da vida tribulada do país, mas potenciais repercussões de gravidade extrema.
Pensa-se que 20 milhões de pessoas estão desalojadas, com as existências em suspenso. O custo económico da reconstrução é, segundo as primeiras estimativas, de 15 biliões de euros, e durará pelo menos cinco anos. E grande parte das áreas afectadas coincide com terrenos de recrutamento fértil de radicais, dentro e fora da chamada FATA, ou conjunto de zonas tribais autónomas. Os Pashtun, e muitas minorias étnicas, foram particularmente afectados. Observadores no terreno viram representantes de células extremistas (HUM, HUJI, JEM, LET, SeS, LEJ), envolvidos nas suas próprias iniciativas de resgate, agasalho e reconstrução. Como o Hamas em Gaza, vários destes grupos possuem extensões "de assistência social", crescendo em popularidade sempre que os governos, centrais ou locais, se dissipam.
Numa sociedade ainda com alguns traços feudais, no que toca à propriedade da terra e dos meios de produção, a insatisfação com os poderes públicos leva as massas a olhar para estes iluminados como salvadores. Repare-se que, no seu primeiro grande relatório estratégico deste ano, o serviço secreto paquistanês ISI (feito da relação entre agências militares) considerou, pela primeira vez desde a independência, que o grande risco para o país vem mais destas legiões de conspiradores, do que de países vizinhos como a Índia ou o Afeganistão.
As referidas vinte milhões de almas, ambulantes, podem ser vinte milhões de espíritos ao serviço da causa extremista. O clarim desta revolta teria - ou terá - consequências tão terríveis como as cheias.
Queremos falar sobre "causas profundas" do terrorismo? Ei-las.
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