Portugal tem um problema com os números. Não sabemos fazer contas. Famílias, empresas, Governo, país. Temos dívida em excesso. Negativa, no sentido literal do termo. Precisamos de preceptores. À moda antiga. Três: a troika. Estamos de castigo, até acertarmos as contas. Entretanto, seria bom que nos esforçássemos por sermos rigorosos quando de números se trata.
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Um dos erros mais comuns é a confusão entre ordens de grandeza. Ainda um destes dias, falando sobre os problemas do orçamento da defesa, alguém dizia que o seu total era de 2 milhões de euros. Como se uma despesa naquele montante pudesse ser problema de monta. Como já terá concluído, o valor seria mil vezes maior, uma coisa de somenos...
Fosse outro o jornalista, mais habituado a lidar com as contas das empresas, e teria provavelmente abreviado as contas para dois biliões de euros, "dois bi" na ainda mais sintética linguagem financeira. Sucede que em Portugal, o bilião corresponde ao milhão de milhões e não, como por exemplo na América, de onde aquela notação foi importada, a mil milhões.
Não tenho nenhuma objecção a que se normalize a definição mas, até lá, talvez valesse a pena alguns dos nossos dirigentes empresariais terem cuidado com a linguagem, não vá, um destes dias, alguém acreditar neles. Assim, ninguém sabe a quantas anda. Esse parece ser o caso de um trabalho sobre o financiamento das despesas dos estudantes do Ensino Superior.
A crer na notícia, o Estado suportaria à volta de 8 e as famílias 49 por cento do total, respectivamente. Está a ver, não está? Pois, falta qualquer coisinha, nem mais nem menos do que 43 por cento. Quem os pagará é um mistério que o artigo não trata de resolver. Como o contributo do Estado era diminuto, o artigo teve repercussão acrítica entre os blogistas carentes do afecto público. Curioso, fui ver o relatório original.
Nele se concluem coisas interessantes e, confesso, surpreendentes. Para começar, Portugal é o quinto país em que os estudantes mais gastam, atrás da Inglaterra, Suíça, Noruega e Dinamarca. Mensalmente, segundo o tal inquérito, gastariam, em média, 641 euros. Estamos a falar de estudantes que vivem com os pais! E o tal mistério do número em falta também se resolve aí: quase todo (39 por cento) resulta, segundo o estudo, do rendimento dos próprios estudantes! Motivo de admiração já que sempre se disse que, entre nós, são poucos os estudantes com emprego.
As percentagens não se alteram muito quando se trata de estudantes a viver fora da casa dos pais: a despesa aumenta para mais de mil euros mensais (11.º lugar, ainda acima da média), a comparticipação do Estado baixa para 5 por cento, a da família mantém-se e aumenta, para 41 por cento, o peso do rendimento próprio, havendo um resíduo de outras fontes de financiamento.
Números interessantes, a merecerem uma outra reflexão (será a amostra, o peso do ensino privado, a inclusão de alunos do mestrado; qual a importância de alunos do politécnico ou de alunos trabalhadores) que não apenas a da contribuição do Estado - mas nós não conseguimos viver sem pensar no Estado!
Pior só mesmo procurar aproveitar-se das contas para levar, mal, a água ao seu moinho. Voltemos aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. No ano que passou, apresentaram um prejuízo de mais de 40 milhões de euros. Um jornalista descobriu que a Administração ganhara cerca de 360 mil euros por ano.
Mil euros por dia. Vai daí, monta uma notícia em que esse se tornava, aparentemente, no factor central dos resultados negativos obtidos. A coisa atinge o zénite quando um membro da Comissão de Trabalhadores comenta que com ordenados daqueles, bem podem trabalhar que a empresa não dará lucro. Uma sugestão: deixem de lhes pagar. Se tudo o resto se mantivesse, o prejuízo baixaria, substancialmente, de 41,9 milhões para 41,54 milhões de euros... Já não há pachorra para toda esta demagogia invejosa. Tão tola que nem chega a colocar a questão da competência e da justa remuneração. Ainda se fosse só na silly season...