Na semana passada referi-me aqui aos sucessivos apelos ao consenso que surgem de diferentes setores da sociedade portuguesa, no sentido de que o PS possa ser envolvido numa larga maioria que torne estável o regresso aos mercados e contribua para afastar a hipótese de um segundo resgate. O tema tinha ganho oportunidade em vista da votação do Orçamento do Estado e da recusa da maioria em aprovar as medidas de alteração propostas pela oposição parlamentar.
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Esta semana, o assunto ganha nova atualidade a propósito da tão propagandeada reforma do IRC, que o Governo quer agora fazer aprovar. O Partido Socialista cedo se disponibilizou para participar neste debate, propondo-se contribuir com propostas concretas para a sua viabilização. E assim fez. Esta sexta-feira entregou na Assembleia da República um conjunto de dez alterações que, a serem acolhidas, implicarão o seu voto favorável à reforma apresentada pelo Governo.
Temos aqui uma nova oportunidade para pôr à prova a autenticidade dos apelos a um entendimento sério entre a maioria que nos governa e o maior partido da Oposição.
Enquadram estas alterações apresentadas pelo PS um conjunto de princípios que, na difícil situação em que o país se encontra, são indiscutíveis - garantir a criação de emprego, reforçar a competitividade e internacionalização das empresas portuguesas, promover a simplificação administrativa e reduzir a fiscalidade sobre as pequenas e médias empresas. São objetivos que só podem ser consensuais. Não será, pois, por aqui que se rompe um possível entendimento alargado. A separação das águas, essa, faz-se em algumas das medidas concretas que uma frase contida no documento apresentado na AR sintetiza - "O Governo propõe uma redução de IRC que beneficia, em boa medida, as grandes empresas, enquanto o PS defende que a fiscalidade deve ser reduzida para as PME".
A grande maioria das medidas agora propostas pelo Partido Socialista são sensatas, ponderadas e fazem todo o sentido, sobretudo no quadro de constrangimentos que estamos a viver. Fazer baixar para metade a taxa de IRC para os primeiros 12 500 euros de lucro beneficia de forma sensível as pequenas empresas e não parece ter efeitos relevantes no volume da receita fiscal; manter o pagamento especial por conta nos mil euros, subir para 500 mil euros o limite para aplicação do regime simplificado, reduzir para metade a taxa atual de IRC para as empresas que se instalem no interior do país ou desagravar a carga fiscal das empresas que reinvistam os seus lucros, são contribuições positivas dirigidas primordialmente às PME e ao combate à desertificação do interior do país. São precisamente as pequenas e médias empresas, que suportam cerca de 70% do emprego, quem mais tem sofrido com a atual crise e, por isso, reflete o elevado nível de desemprego que se faz sentir entre nós.
No outro prato da balança, o PS propõe, para atenuar a perda de receita fiscal das medidas que apresentou, um aumento de dois pontos percentuais na derrama a aplicar a empresas com lucros significativos.
É por demais evidente que a condição essencial para acordos políticos desta natureza, como todos sabem, é que nenhuma das partes apareça como a grande e única ganhadora das negociações, transformando a outra parte na grande e única derrotada. Sabe-o o Governo e sabe-o o PS. Como o sabem os seus apoiantes, perante quem, em última análise, terão de responder na hora própria. Ao Governo cabe, em primeira linha, demonstrar a sua abertura para a negociação, do que já deu alguns sinais. Ao Partido Socialista compete ser flexível quanto baste, o que equivale a não ser irredutível ao ponto de exigir a total e completa integração das suas propostas na reforma em apreço.
Como o atestam as sondagens publicadas, o PS é a alternativa a este Executivo e, com uma enorme probabilidade, será governo proximamente. É sério e é coerente não viabilizar agora, enquanto Oposição, medidas que depois revogará quando for Poder. Mas, definidos os limites para além dos quais não é possível ir, é necessário encontrar um espaço onde possa caber alguma cedência que permita ao Governo celebrar o acordo sem ser através de uma rendição pública. O Partido Socialista não pode deixar que fique no ar a ideia de que as suas exigências visam apenas apresentar argumentos para a rejeição desta proposta do Governo. Sei que esta é uma preocupação de António José Seguro. E ainda bem. De outra forma, o Partido Socialista arrisca-se a ser visto tão-só como o partido do NÃO.