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1. Uns dias de férias forçadas levaram-me a ter o Hospital Militar do Porto (HPM) como vizinho. Durante uns dias entretive-me a observar a sua actividade. Das dezenas de lugares de estacionamento reservados, nunca estiveram ocupados mais de um terço. O movimento era escasso. Daí até interrogar-me se, nas circunstâncias actuais, precisaremos mesmo de uma infra-estrutura dedicada, foi um passo. Sei que alguma coisa tem vindo a ser feita e que o HPM é, agora, apenas um pólo do Hospital Militar Nacional (o outro está em Lisboa). Admitamos que é mesmo necessário. O que impede a sua abertura a doentes não militares, mais a mais quando continua a haver carências nos hospitais civis? Os lugares reservados significam uma estrutura desmesurada ou apenas reflectem a mania portuguesa dos privilégios das hierarquias? Haverá, certamente, muitos argumentos para justificar o que está e como está e, provavelmente, até muitos outros para provar que são necessários mais recursos (não são sempre?). Há, ainda, a tentação de ler qualquer interrogação como ataques a instituições ou pessoas. Na afectação de recursos públicos tem de haver racionalidade e transparência e nada, nem ninguém, está acima dessa regra. Enquanto o contribuinte não perceber em que, e como, são gastos os seus impostos, não readquirirá confiança em quem administra a coisa pública.
2. Os gastos com a saúde avultam no total da despesa pública. Factores como a demografia (em especial, a maior longevidade) e a inovação (seja nos meios complementares de diagnóstico ou nos medicamentos) criam uma tendência natural para o seu aumento. Se a saúde é uma prioridade, haverá outros sectores que perderão importância e recursos. Há escolhas a fazer. Também por isso, exige-se a quem gere o sistema de saúde que seja cada vez mais criterioso, no modo como afecta os recursos, como organiza as actividades, como garante a qualidade, como supervisiona tudo isto. Um destes dias, o JN fazia referência a um número elevadíssimo de falsas urgências no Hospital de S. João. Há tempos noticiara as dificuldades de cobrança das taxas moderadoras por parte de um outro hospital. Usa-se e abusa-se do sistema, por ser de graça ou, o que vem a dar no mesmo, por não ser capaz de cobrar as dívidas.
Este é um dos casos em que descentralizar não funciona e multiplica serviços, ainda por cima ineficazes. A cobrança dos valores em dívida devia deixar de ser da responsabilidade das entidades prestadoras dos serviços. Estas limitar-se-iam a transmitir a identificação do doente e o valor em dívida ao ministério das Finanças. A conta apareceria junto com os impostos. Se a pessoa estivesse isenta, não pagava nada a não ser que se identificasse um comportamento de recurso abusivo do sistema de saúde, podendo, nesse caso, haver lugar a uma penalização. Palpita-me que esta proposta viola uns quantos preceitos do direito à privacidade. Não sei se, como dizia o príncipe Salina, em O Leopardo "é preciso que tudo mude, para que tudo fique na mesma". Sei é que, se nada mudar, mais cedo do que tarde, nada ficará na mesma. Tempo de escolher!