Ainda as dívidas dos municípios
De quando em vez, somos confrontados com as dificuldades financeiras das câmaras municipais. É tema atrativo para a Comunicação Social e tentador para uma opinião pública que se sente melhor quando encontra culpados. Recordo que há uns tempos, a propósito de um inquérito lançado por um semanário, a maioria dos inquiridos identificava as autarquias como área preferencial para novos cortes da despesa do Estado. Convém, todavia, perspetivar o problema antes de pronunciar a acusação.
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Ao que se diz, trinta autarquias necessitarão de um resgate no curto prazo, sendo que outra meia dúzia estará tecnicamente falida. Há casos muito preocupantes, em que o nível de despesa praticado no passado se revelou completamente incompatível com as expectativas de receitas. Não deixei de ficar chocado com os números tornados públicos esta semana relativos à Câmara Municipal de Loures. Para lá da enormidade de ter quatro mil funcionários e uma dívida de 100 milhões de euros, soube-se que paga um milhão por ano em avenças.
Os mais de trezentos municípios debatem-se com os mesmos problemas de todo o resto da administração e das empresas. Endividaram-se para alavancar projetos de investimento, uns mais necessários que outros, e quando o custo do dinheiro, leia-se as taxas de juro, disparou devido a uma crise cuja culpa há de morrer solteira, tiveram dificuldades em cumprir as suas responsabilidades. O primeiro efeito foi naturalmente atrasar pagamentos e, portanto, fazer crescer a dívida de curto prazo. O Programa de Apoio à Economia Local (PAEL) fez chegar mil milhões de euros a mais de cem municípios e a situação aliviou bastante.
O que aconteceu no último ano mostra a seriedade com que os municípios encararam este esforço de reequilíbrio, fechando o ano de 2013 com um défice orçamental inferior a 200 milhões de euros. Se se excluírem os pagamentos para a redução da dívida antiga, o saldo do exercício foi mesmo positivo em mais de 200 milhões. Por outro lado, não é de mais referir que o total da dívida dos municípios é menor que, por exemplo, o das empresas públicas do setor dos transportes. Essas mesmas que são geridas por boys nomeados segundo lógicas partidárias, muitos dos quais não são, nem nunca foram, gestores de profissão.
Dito isto, não é justo usar o exemplo de Loures ou de mais alguns executivos municipais irresponsáveis para tomar a árvore pela floresta. O papel que os municípios cumprem num país que não tem poderes públicos regionalizados é de importância vital e não há qualquer evidência factual ou estatística de que exista neste nível da administração uma concentração de fenómenos de má gestão, despesismo ou corrupção acima daquilo que é o padrão nacional. Comparando com a administração central, onde se celebraram certos contratos de PPP ou se compraram submarinos, para dar apenas dois exemplos, direi que o foco da preocupação dos portugueses não deverá estar nos municípios.
O ministro Poiares Maduro esteve esta semana reunido com Manuel Machado, líder da Associação Nacional de Municípios, tendo debatido o papel das autarquias no quadro do ciclo de financiamento europeu 2014-20. Para o governante, das autarquias espera-se mais inclusão social e menos obras. Percebo este enunciado, embora concordando com a ressalva feita pelo autarca de Coimbra de que nas obras tem de estar contemplada a regeneração urbana, algo que foi incompreensivelmente marginalizado no Acordo de Parceira Portugal 2020. Mas o que vale a pena recordar ao Governo, e também àqueles que acham que as câmaras gastam muito, é que a rarefação dos apoios do Estado central aos mais carenciados tem sido paulatinamente compensada justamente pelos municípios, sem que para tal lhes seja atribuído qualquer reforço orçamental. Talvez seja difícil de perceber a partir de Lisboa, mas a metade da mole de desempregados que não tem acesso a subsídio vai já batendo à porta das câmaras solicitando ajuda para alimentar os filhos na escola, para comprar os remédios dos idosos ou simplesmente para mudar as lentes dos óculos.
A inclusão social ao nível municipal, nobre no desígnio, terá de ser colocada num quadro estruturado de transferência de competências e dos necessários recursos financeiros. Para que os municípios não passem, agora, a acumular dívidas por estarem a cumprir o papel do Estado central, aquele que arrecada as receitas.