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A expressão "ficar a ver navios" é portuguesa, mas foi Fellini quem involuntariamente melhor a representou, na memorável cena do Amarcord em que colocou toda a aldeia em pequenos botes, pela noite dentro, à espera para ver passar o grande transatlântico SS Rex e sonhar com outras e mais ambiciosas fortunas.
Em Portugal, lugar igualmente pequeno, gosta-se muito de admirar os navios que por cá passam, mas gosta-se ainda mais de desejar secretamente o falhanço de quem, por mérito, consegue embarcar e surpreender o seu humilde destino. Não faltam os ferozes militantes do "mas" ("Sara Sampaio é bonita, mas...", "Cristiano Ronaldo é craque, mas...", "Mourinho? Muito bom, mas..."), esses eternos predadores do sucesso alheio, para quem a excelência dos outros nunca é suficiente e que, com infindável paciência, aguardam por um momento de fraqueza para lhes poder mostrar os pequenos dentes do ressentimento.
Desconfio que para ser admirado sem reservas por todos os portugueses, Cristiano Ronaldo precisava era de ter nascido na Argentina. Mourinho, em Itália, e Sara, no Brasil.
Comecei por navios, mas há outra expressão, a das caravanas que passam. Deixo um conselho a Cristiano, Mourinho, Sara e a todos os que souberam transcender-se: deixem-nos ladrar.