Há coisa de um ano, Manuel Alegre fazia a vida negra aos socialistas. As suas declarações críticas, os encontros com personagens do Bloco e a muita gente da área socialista que ia congregando levavam a imaginar o pior cenário para o PS: uma cisão que retiraria por largos anos ao partido a possibilidade de voltar a ser maioria, e a quase certeza de uma derrota pesada nas eleições que, entretanto, se realizaram.
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Mas as coisas compuseram-se sem que tenha ficado claro se foi o PS que emendou a mão e as críticas de Alegre ficaram sem sentido ou se foi Alegre que amoleceu na visão catastrofista que ia fazendo da actividade do Governo. Agora, a um ano das presidenciais, Alegre adianta-se ao PS e, com a legitimidade que lhe dá o facto de estarmos perante candidaturas pessoais, anuncia que correrá para Belém.
O PS fica aparentemente dividido. Os "compagnons de route" de Manuel Alegre exultam com o facto. Dos outros, a maioria fica em silêncio e são poucos os que avançam com declarações contrárias à candidatura. O PS oficial, ou seja, o PS que interessa, o PS que obedece a Sócrates, está em silêncio. Mandou dizer que tomava nota da candidatura, não hostilizou, mas não se comprometeu. Porque é cedo. É cedo e há outras tarefas para resolver, nomeadamente a questão do Orçamento. Mas Alegre é, previsivelmente, um bom candidato para o PS. Pode não ser um candidato vencedor - isso ver-se-á. Mas é um excelente candidato para ajudar o PS que lidera um Governo minoritário a atravessar mais um ano sem calafrios de maior.
Essas vantagens já são, aliás, visíveis. Perante o apoio entusiástico do Bloco, Alegre deixou passar uns dias e, na primeira oportunidade, declarou que não é candidato do Bloco. Estabelecida esta diferença - porque é realmente diferente de o BE declarar que Alegre é o seu candidato - o que fica claro é que este candidato presidencial vai salvar o PS de contínuos confrontos com a Esquerda, ou com parte dela. Mesmo com o PCP, que com a sabedoria de muitos anos de luta, não se colou a Alegre e dificilmente deixará de apresentar, na primeira volta, o seu candidato, o terreno fica amaciado. A muitas das críticas que vierem da Esquerda responderá o próprio Alegre no tom compreensivo de quem está interessado em ser um candidato capaz de conquistar votos para além das fronteiras das suas convicções. Nas relações com Belém, o PS e Sócrates não necessitarão de constantemente levantar a voz ou de vincar diferenças, como aconteceu vezes demais ultimamente, pois parte desse trabalho caberá e interessará a Alegre.
Ou seja: com um candidato como Alegre, o PS pode estar mais embrenhado na governação e não se desgastar em combates de pura política. E isso não deixa de ser interessante. Os socialistas perderam a maioria absoluta mas, como se vê, não perderam o centrão: conquistam apoios à direita para viabilizar o Orçamento e deixar-se-ão cair para a esquerda no apoio a um candidato presidencial, mesmo que ele não represente o primeiro dos seus desejos. E enquanto assim for, isto é, enquanto o PS conseguir este equilíbrio, mais instável umas vezes do que noutras, dificilmente o partido sairá da área do Poder.