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Acontece às melhores famílias quando nos atiramos de cabeça. Manuel Alegre sonhou para si o incontornável papel de "grande timoneiro" da Esquerda, sem olhar à Esquerda que lhe oferecesse sopro para a navegação no meio do temporal. Deve ter até alinhavado a nova trova heróica que faria no vento que passa, quando entrasse, triunfal, no palácio de Belém. Deve ter acreditado que com o Bloco de Esquerda a adiantar-se em contas meio caminho estava andado para forçar o seu próprio partido a retirar o socialismo da poeirenta gaveta onde ele, Alegre, ajudou a que fosse depositado, em tempos que já lá vão.
Nas curvas da história, descobriu o seu PS ainda mais enterrado na gestão da crise do capitalismo. O "pacote de austeridade", se não o emudeceu, pelo menos obriga-o a um discurso mais ambíguo, que não bate certo com a sua voz tonitruante e a sua aura de frontalidade.
O aperto de cinto encavacou Alegre - literalmente. Sentado no Conselho de Estado, pode imaginar-se Cavaco Silva, o presidente-candidato, a defender, alto e bom som, a inevitabilidade da aprovação do Orçamento de Estado e Alegre, só-candidato, a afirmar, alto e bom som, que, salvo melhor opinião, é inevitável a aprovação do Orçamento de Estado. Em reunião com as centrais sindicais - parece que o estamos a ver - Alegre a confidenciar em surdina que concorda com a greve geral mas, por favor, não contem a ninguém, que um candidato a presidente não pode nem deve apoiar ou não apoiar greves. Nem sim, nem não; antes pelo contrário. Não há nada mais alegre do que o tacticismo. Nem mais improdutivo.
Manuel Alegre estará por esta altura a tomar consciência de que a espargata não rende no mercado político. Mesmo que, tratando-se de quem se trata, seja uma espargata frontal - a que, de acordo com o dicionário, é realizada com o tronco de frente. Porque não há peito feito que supere a contradição de ser apoiado pelo partido do Governo e pelo partido que, dia sim, dia sim, ataca o Governo.
Só falta ver José Sócrates e Francisco Louçã no palco de um comício alegrista. Cada um a erguer o punho que escolheu para erguer. Com o tronco de frente, é claro.