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Com a entrada em vigor da CRP, em 25/04/1976, os tribunais viram-se confrontados com sistemáticas anulações de julgamentos na sequência de decisões de inconstitucionalidade de normas do CPP, de 1929, então em vigor. Foram anos difíceis para a aplicação da justiça material. Só em 1987, o ordenamento judiciário adoptou um CPP, moldado nos princípios da lei fundamental e estruturado em conformidade com os ensinamentos bebidos no Direito comparado, oferecidos pela experiência e investigações criminológicas de países europeus com os quais Portugal mantinha, e mantém, um extenso património jurídico e cultural comum. Sem esquecer o contributo enriquecedor e inovador do Conselho da Europa na adopção de soluções céleres, eficazes, adequadas e justas, que alavancaram aquele diploma para a vanguarda dos sistemas processuais penais a nível internacional. São múltiplas as alterações introduzidas, umas imprescindíveis e outras injustificadas, só entendíveis para satisfazer interesses corporativos. Novas soluções processuais se antevêem, sendo importante reter um princípio básico do mundo do Direito. São negativas as sucessivas e intempestivas alterações às leis, as normas devem ter o seu tempo de estabilidade, permitir a criação de uma jurisprudência firme e, só então, proceder-se às que se mostrem necessárias. Muito se tem discutido, ultimamente, sobre o “abastardamento” da fase de instrução. Todos parecem de acordo em devolver os respectivos normativos ao seu objectivo primacial, confirmar ou infirmar o teor da acusação. Não pode continuar a má prática de transformar esta fase num pré-julgamento. Todavia, não deve passar-se para uma posição radical de eliminação de diligências, sob pena de inconstitucionalidade, limitando esta fase ao debate instrutório. Haverá que precaver a realização daquelas, não satisfeitas pela investigação e que sejam capazes de colocar em causa a veracidade dos factos levados ao libelo acusatório. Proibir-se, sim, a repetição de diligências e as que se mostrem meramente dilatórias. Permitir, sim, as que sejam susceptíveis de pôr em causa a acusação, considerando que o arguido tem o direito de se defender e de não se sujeitar a um julgamento injusto. Outra problemática que pode atrair decisão de inconstitucionalidade é a da pretendida perda alargada de bens, sem condenação do arguido. O confisco de bens está já previsto na lei, só permitindo a perda alargada de bens no caso de o arguido ser condenado. Voltamos à polémica que rodeou a pretensão de criminalizar o enriquecimento ilícito, que não passou nos crivos do TC. Alterar, actualizar ou criar nova legislação que previna e puna convenientemente as novas formas sofisticadas de criminalidade é fundamental, mas há que fazê-lo com bom senso, sem precipitações ou opções populistas que afrontem os princípios fundamentais do nosso sistema processual penal, enquanto direito constitucional aplicado.
A autora escreve segundo a antiga ortografia