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Uma das maiores apreensões dos magistrados, jurisconsultos e juristas em geral, é a realização de alterações legislativas no âmbito penal e processual penal, levadas a cabo sob a pressão e urgência de casos concretos. As leis necessitam de estabilidade para atingirem maturidade, fixar-se a melhor doutrina e jurisprudência. Só em caso de lacunas, deficiências e contradições se deverá proceder a ajustamentos cirúrgicos. Não esquecer que as leis penal e processual penal obedecem à matriz humanista da CRP. Não devem nem podem ser introduzidas alterações precipitadas, sem conhecimento das circunstâncias que pretensamente as determinam. Actualmente, propõe-se, com carácter imperativo e de absoluta necessidade a revisão de normas relativas à actuação do MP no inquérito penal, de modo a eliminar a morosidade processual e tornar perceptível, visível e concreta a vertente hierarquizada e a responsabilidade disciplinar desta Magistratura. Quanto a esta última questão, tive já oportunidade de me pronunciar sobre a causa das eventuais entorses surgidas com o novo Estatuto do MP. No que tange à morosidade processual, a problemática emerge, fundamentalmente, no âmbito dos crimes económico-financeiros, pela sua natureza praticados pelos chamados poderosos da política, da economia e da banca, enfim, crimes cometidos pelo colarinho branco. Não me parece ter havido ou verificar-se hoje tantas reacções públicas negativas quanto a outros tipos de crime, tráfico de droga, violência doméstica, violação, homicídio e tantos outros. Não, são os crimes económico-financeiros que fazem soar a trombeta da morosidade. Esta, porém, decorre da extrema dificuldade na investigação, perícia e julgamento de casos onde a sofisticação criminosa impera e a teia dos diversos crimes envolvidos é tecida com o apoio de peritos e estrategas bem pagos para suportarem a aparente legalidade do negócio. Investigar um banco ou decompor a simulada legalidade das contas e documentação de uma empresa não é tarefa fácil nem célere e é despiciendo comparar os casos portugueses com o do Madoff nos EUA. Os filhos denunciaram-no e ele confessou. Em Portugal, o criminoso social e politicamente considerado não confessa nem é denunciado. Para obstar a estas dificuldades da investigação e julgamento, o poder político já considerou a falta de meios humanos e tecnológicos, a dificuldade em obter peritos que estejam permanentemente à disposição do tribunal? Já se informou junto destes peritos quanto tempo, em média, demora um apuramento fidedigno das contas apresentadas pela empresa e a fraude que lhes subjaz? Já procurou apurar em que fases do processo se verifica a demora e as causas dela? Sem estes dados, estruturantes de uma adequada e apropriada alteração legislativa, não faz sentido mudar apenas porque sim ou porque a pressão de determinadas individualidades assim obriga.
*A autora escreve segundo a antiga ortografia