Alto Tâmega e Barroso: Economia criativa e curadoria territorial de uma ABD
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Estive no passado dia 24 de janeiro na Feira do Fumeiro em Montalegre, no coração do Alto Tâmega e Barroso, para participar num seminário sobre o futuro do mundo rural em áreas de baixa densidade (ABD). As reflexões que se seguem são breves apontamentos da palestra que então proferi.
Em áreas de baixa densidade estrutural, como é o caso do Nordeste Transmontano, é fundamental refletir sobre as condições de formação das economias de rede e aglomeração, a gestão de fluxos entre os microprojectos e o networking entre os atores locais e, ainda, a governança multiníveis e a sua específica engenharia financeira. Abordo, em seguida, cinco tópicos principais sobre o assunto.
1. O problema da escala e a sua multiescalaridade
O grande desafio destas ABD é, em primeira análise, conciliar os problemas estruturais de longa duração – envelhecimento, desertificação, despovoamento – com os problemas conjunturais de combate e mitigação das alterações climáticas, os estímulos ao rejuvenescimento empresarial, o reforço das cadeias de valor e a valorização dos produtos endógenos, isto é, implementação efetiva, no curto prazo, dos programas e medidas de política no território em questão. Para lá da escala do tempo há, também, um problema de escala do espaço-território, pois não é indiferente ter como referência um único município, uma rede de dois ou três municípios, os municípios de uma comunidade intermunicipal (CIM) ou, ainda, os municípios da sub-região do Nordeste Transmontano. Em terceiro lugar, temos, igualmente, o problema da escala populacional que deve considerar, nos dias que correm, o stock de população residente, a população imigrante, os diversos fluxos de visitação, as aglomerações vizinhas do nosso território e, ainda, as comunidades da diáspora portuguesa. Finalmente, um problema de escala de governança e administração do território, que deve considerar os incumbentes mais apropriados em cada situação, desde as freguesias aos municípios e de plataformas colaborativas até à estrutura de missão sub-regional constituída para o efeito.
2. As dimensões do problema e as suas hiperligações criativas
Uma sub-região como o Alto Tâmega e Barroso ou como o Nordeste Transmontano precisa de sistema nervoso e inteligência racional (pensamento estratégico), massa crítica de recursos e inteligência natural (dimensão espaço-território), networking apropriado ao desenvolvimento da sua inteligência emocional (o génio e o espírito dos lugares) e uma plataforma analítica territorial apoiada em inteligência artificial (centro partilhado de recursos digitais). Estas quatro inteligências permitem que a sub-região aceda à Estratégia Nacional dos Territórios Inteligentes (ENTI), aprovada pela RCM nº176/2023 de 18 de dezembro e alterada pela RCM nº 119/2024 de 2 de setembro, em especial no que diz respeito à criatividade e inovação materializadas pela criação dos centros de inteligência territorial (CIT). Para esta estratégia de especialização inteligente da sub-região, destaco aqui as hiperligações criativas entre a ecologia da paisagem (novas funcionalidades em biodiversidade, restauro de ecossistemas e provisão de serviços de ecossistema), a economia criativa e inovação (ciência, tecnologia e investigação-ação), a curadoria territorial (património e paisagem, artes e cultura, o génio e o espírito dos lugares) e, bem assim, a engenharia conjunta dos múltiplos financiamentos institucionais e participativos no âmbito das economias de rede e aglomeração da sub-região.
3. As pré-existências e o mapeamento dos sinais distintivos do território
A plataforma analítica do centro de inteligência territorial da sub-região recolhe e descreve a informação, ensaia algumas previsões e cenários e prescreve algumas recomendações a propósito que os incumbentes respetivos devem pôr em prática. A título de exemplo, é fundamental fazer o mapeamento dos sinais distintivos territoriais (SDT), onde se contam as amenidades paisagísticas, os percursos de natureza e os endemismos locais, os ecossistemas e os serviços de ecossistema, os vestígios e os sítios arqueológicos, as paisagens literárias e os roteiros toponímicos, os monumentos e a memória coletiva, as artes e ofícios, entre outros. Mas, também, o mapeamento das fileiras económicas e cadeias de valor, as indicações geográficas e denominações de origem, os mercados de nicho e terroirs e, ainda, as fontes de bio resíduos e bioenergias, assim como, a definição do potencial de criação de novas cadeias de bio economia e economia circular. Além disso, o governo e a administração da sub-região devem promover a descompartimentação dos setores de atividade, reforçar as suas redes colaborativas e a gestão de fluxos e comunicação entre todos eles.
4. Stock e fluxo, rejuvenescimento e networking do território
Como já referi, o stock de população nas ABD é um problema que pertence à história longa de uma região, à sua demografia estrutural. Não podendo ser resolvido no curto e médio prazo pode, no entanto, ser diferenciado e articulado com a promoção e gestão de fluxos, não apenas de visitação turística, mas, sobretudo, de economias de rede e aglomeração nos âmbitos intermunicipal, sub-regional, inter-regional, transfronteiriço e transnacional. Os programas, as medidas de política e os envelopes financeiros já existem, trata-se, agora, de usar a criatividade, a inovação e a imaginação, ou seja, os princípios da economia criativa e da curadoria territorial para promover o rejuvenescimento e o networking do território. E quanto mais cedo, melhor. Eis algumas medidas.
Em primeiro lugar, eleger como grupo-alvo da nossa atenção os jovens que entram no ensino secundário (15/16 anos) e aqueles que entram no ensino superior (17/18 anos) e desenhar para estes dois universos jovens um programa integrado de intercâmbios, estágios, bolsas, prémios e residências, que se pode estender até a uma pós-graduação, mestrado e doutoramento. A formação pós-graduada pode, inclusive, ser lecionada aos fins de semana, em regime ambulatório e em diferentes pontos do território, e abordar temáticas muito direcionadas como sejam a digitalização e smartificação da rede urbana, a patrimonialização e a turistificação, o marketing e o branding do território, a curadoria territorial, os sinais distintivos e o storytelling artístico e cultural, o empreendedorismo e a empresarialização dos ativos do território. Ou seja, durante cerca de 10/15 anos podemos personalizar um programa de formação e empreendedorismo que tenha como foco principal o desenvolvimento de uma ABD como o Alto Tâmega e Barroso ou o Nordeste Transmontano.
Em segundo lugar, quero destacar a conexão fundamental entre a atividade de networking e a gestão de fluxos, isto é, as múltiplas redes associativas e colaborativas de uma comunidade intermunicipal nas suas interdependências e interações internas e externas. Eis algumas dessas redes: os clubes de jovens produtores, as redes de artes e ofícios, a rede de extensão agro rural, a rede de residências para jovens criativos, a rede de quintas pedagógicas e trabalho voluntário, o banco de solos e a plataforma de arrendamento rural, a rede de turismo rural e agroturismo, a rede de visitação ao génio e espírito dos lugares, a rede de cohousing e cuidados ambulatórios para a terceira idade, a rede de eventos culturais e criativos, entre outros.
Estas duas abordagens aqui referidas, devido às suas múltiplas interdependências, não só criam um novo movimento associativo como são capazes de gerar uma multidão de fluxos
e pequenos projetos que abrem uma porta para a sua internacionalização e, dessa forma, uma via para beneficiar dos programas europeus de mobilidade e investigação.
5. O sistema operativo do Barroso e a governança multiníveis
Aqui chegados, dá para perceber que já ganhámos pensamento estratégico, massa crítica de recursos, intensidade-fluxo e musculo operacional. Todavia, num sistema operativo multiníveis que se alonga da junta de freguesia à câmara municipal e da comunidade intermunicipal do Alto Tâmega e Barroso ao Nordeste Transmontano e à cooperação transfronteiriça e transnacional, é forçoso reconhecer que precisamos de muito critério para organizar o sistema operativo do Alto Tâmega e Barroso por se tratar de uma sub-região de baixa densidade estrutural. Assim, julgo que a CIM do Alto Tâmega e Barroso e a CIM das Terras de Trás-os-Montes, em conjunto com as instituições de ensino superior do Nordeste, e outros convidados, devem fazer uma reflexão profunda sobre os méritos e deméritos de uma candidatura conjunta ou separada à ENTI com vista a obter um Centro de Inteligência Territorial (CIT) que seja, simultaneamente, um centro partilhado de recursos digitais e uma plataforma analítica territorial e que o Nordeste Transmontano, uma sub-região estruturalmente deprimida, seja um território-laboratório de um programa inovador de economia criativa e curadoria territorial.
Nota Final
Estamos em 2025, vivemos uma década extraordinária, existem, porém, condições suficientes para estar moderadamente otimista no que diz respeito à coesão dos territórios mais deprimidos, se, para tal, soubermos encontrar uma metodologia de governação que resolva os problemas de multiescalaridade, governança multiníveis e engenharia financeira. O que aqui se refere e sugere para uma sub-região estruturalmente deprimida poderia, talvez, ser ensaiado na segunda metade do atual PT 2030 e do respetivo programa operacional Norte 2030 e os seus resultados e recomendações serem utilizados como instrumento de coesão e inovação territorial para o próximo quadro comunitário de apoio 2027-2034. Fica a proposta.