O regime já não nos devia surpreender ao fim de quase 50 anos. Vejamos o caso do sr. Miguel Alves que, por força de ter sido constituído arguido num processo-crime (não aquele que o acossava mais insistentemente, mas outro), saiu do Governo onde era secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro.
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O "Expresso" entrevistou um empresário, o sr. Ricardo Moutinho, o homem que ia construir um equipamento qualquer em Caminha pelo qual o sr. Alves lhe "adiantou" 300 mil euros. Equipamento, nem vê-lo. Mas Moutinho merece ser escutado e lido pela facilidade com que, em meia dúzia de linhas, explica a corrupção moral no cerne do regime. Para Moutinho, uma câmara municipal é "uma oportunidade de negócio". Falhou uma na Guarda, e virou-se para Caminha, por e-mail dirigido ao sr. Alves: um "contacto comercial". Dá-lhe um nome, errado, de uma empresa financiadora. A sede da certa, ou da errada (nesta altura da entrevista já não se percebe), é no Luxemburgo. Moutinho é o accionista "no contexto da gestão de activos". Registo disso? Não há. Como explica? "Não sei", acode o Moutinho. Então e no Dubai? Entre "mais de 500 empresas criadas pelo mundo" (por ele?), está lá uma "apenas por motivos de eficiência fiscal" (vou poupar os leitores à tradução para português, e para o direito fiscal, desta "eficiência"). Mas eis que Moutinho a explica com todas as letras: "não pagar impostos", até "porque é uma metodologia comum". Palavra de honra. Ora, com tantos proventos e esta magnífica" "empresa-veículo" nos Emirados, para quê uns reles 300 mil euros públicos de adiantamento? "É um sinal de que a câmara se vai juntar a esse projecto", jura o Moutinho, apesar do "momento difícil" e "injusto" por que passa o Alves. O "Expresso" acaba por concluir que Moutinho "tem uma relação difícil com a verdade". Aos 37 anos, apresentou-se ao Alves como "Ricardo Moutinho, PhD, MBA, CFA". Sem existência, a empresa geria um portfólio de activos de 1,2 mil milhões de euros. Era, por assim dizer, mais "um conceito" que uma empresa, acrescenta sem se rir. Uma "intenção". Agora multipliquem o Moutinho por vários Moutinhos, e o Alves por vários Alves. Obtêm o regime. E não, dr. Costa. À justiça o que tantas vezes é da política. E à política o que deve ser da rectidão e do justo. O filósofo personalista E. Mounier tinha razão. O poder atrai os corrompidos e corrompe os que atrai. Nem que seja moralmente, o que é sempre péssimo.
*Jurista
O autor escreve segundo a antiga ortografia