A manhã é um dia importante. A razão é simples: a Comissão Europeia vai decidir como reagir à crise económica que se tem vindo a anunciar, dia após dia, em tons cada vez mais carregados. Reagir é a palavra certa e indiciadora de uma forma europeia de estar. Não tinha de ser assim. Comprova-o a forma como a Europa liderou o processo de estabilização do sistema financeiro. Enquanto os americanos hesitavam no caminho a seguir, os países europeus definiram a estratégia e, poucos dias depois, estavam a pô-la em prática. Não foi assim em matéria da chamada economia real, a que mais directamente diz respeito às famílias e às empresas. Talvez por admitir, quando já todos os analistas diziam o contrário, que a crise do sistema financeiro não se viesse a transmitir ao resto da economia. Foi pena. Este é um daqueles casos em que a prudência não é uma virtude, em que mais vale actuar, mesmo que se venha a revelar redundante. É que, no caso de as más previsões se confirmarem, pode ser tarde de mais para fazer alguma coisa. Não será o caso. Ainda assim, é muito provável que já seja preciso tomar medidas muito mais drásticas do que se a decisão tivesse ocorrido há um ou dois meses. Por isso mesmo, é importante que o que venha a ser decidido possa ser rapidamente concretizado. Ou seja, são precisas medidas que possam ter impacto quase imediato, nos bolsos das pessoas e na tesouraria das empresas, como forma de devolver alguma confiança aos agentes económicos, de inverter o ciclo. Aqui ou ali vão-se ouvindo sugestões: corte no IVA, redução nos custos não salariais e/ou nas contribuições dos trabalhadores para a Segurança Social ou no IRS ou IRC, multiplicação de pequenas obras, investimento nas energias renováveis, reforço das acções de formação para desempregados, garantia de rendimento mínimo e outras medidas dirigidas aos mais desfavorecidos, exactamente aqueles que têm uma maior propensão ao consumo.
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Quanto aos valores envolvidos, seja por aumentos de despesas, seja por redução das receitas, fala-se em, pelo menos, 1% do PIB, a que poderia acrescer um reforço do capital do Banco Europeu de Investimento.
Pretende-se que a intervenção seja coordenada, de modo a evitar uma abordagem do tipo "salve-se quem puder", em que o ganho de uns seria conseguido à custa dos outros. As medidas devem, ainda, ser suficientemente duradouras para produzirem efeito sensível, mas terem uma natureza temporária de modo que, uma vez consumada a retoma, possam ser descontinuadas. Não está, por isso, posta em causa a justeza do objectivo estrutural de conseguir orçamentos equilibrados.
Internamente, a necessidade de o processo de decisão ser expedito não pode ser argumento para uma abordagem centralista. Como se pode concluir da natureza das medidas prioritárias, a eficácia de muitas delas passa por um conhecimento preciso de situações concretas. Na ausência de outros poderes intermédios efectivos, que pudessem assegurar uma maior coordenação, os municípios, as juntas de freguesia e as instituições de solidariedade social serão parceiros incontornáveis para se debelarem as consequências sociais da crise que, com este ou outro nome, já por aí anda.
A crise trás consigo oportunidades. Neste caso: ver a descentralização na prática.
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