Agora que António Costa se estreia nas lides europeias, como primeiro-ministro, vou fazer de conta que todos, incluindo ele, sabem por que é que "amigos de Peniche" não são amigos, e muito menos de Peniche. Isto para vos poupar à história que se aprende desde garoto, há mais de 400 anos, naquele caminho saqueado que vai de Atouguia da Baleia, à Lourinhã, Torres Vedras e Lisboa.
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O caso é que, em cima da mesa, em Bruxelas, há um ultimato britânico disfarçado de negociação: ou a União Europeia aceita ceder mais uma vez condições de exceção para os súbditos de Sua Majestade, ou o Reino Unido rasga o cartão de sócio e abandona a comunidade a que só aderiu mais de 15 anos depois do Tratado de Roma. E, mesmo assim, sempre com um pé fora. Digo bem, porque na ilha e nalguns dos seus adjacentes coloniais insiste-se em medir o Mundo em polegadas, pés e milhas, e a guiar-se nele pelo lado esquerdo da via... mesmo que, como agora, pela direita na vida.
Acontece que, sendo sócio, o Reino Unido já goza de todo o tipo de isenções na sua relação com a União Europeia: não partilha a moeda única (o euro), não é parte do Acordo de Schengen de extinção de controlos fronteiriços, e obtém todos os anos um cheque dos restantes sócios que limita a sua contribuição para o orçamento comunitário, ou seja, tem desconto na quota.
O primeiro-ministro britânico, David Cameron, quer mais, agora. Ele reclama a mudança dos tratados em matéria de governança económica, competitividade, soberania e direitos económicos e sociais dos imigrantes intracomunitários (portugueses incluídos). Os quatro pontos de Cameron, mais do que a reivindicação de um estatuto especial para o Reino Unido, que já tem, põem em causa princípios fundadores da União. Entre eles, a progressiva integração política, o primado do direito comunitário sobre o ordenamento jurídico nacional, ou os direitos inerentes à livre circulação de pessoas no espaço comum europeu.
Ou seja, este sócio serôdio, que entrou num clube onde já havia normas e projeto comuns, quer poder continuar a mudar as regras de jogo, afeiçoando-as às suas conveniências. Não olha aos interesses dos restantes associados, e não hesita em ameaçá-los com a marcação de um referendo (2017) sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia: ou é como eles querem, ou... "good-bye" Europa unida!
Pode ser que a chantagem britânica dê a António Costa o pretexto para levar a Bruxelas uma proposta de renegociação da dívida portuguesa. Pode seguir-se, até, idêntica proposta espanhola. Quem sabe, talvez amanhã..., se ainda houver amanhã para esta Europa entre "amigos de Peniche".