A qualificação para uma das meias-finais fez com que renascesse o paraíso nas relações entre a seleção nacional e o país, ou, no mínimo, parte dele, por mais minoritária que fosse. E como todos os paraísos também este nada tem de real, simplesmente porque houve quem desse demasiada importância a circunstâncias que não a tinham.
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Agora, que, pela quarta vez, vamos disputar a meia-final do campeonato europeu, segunda mais importante competição do futebol mundial, vale a pena revisitar as circunstâncias em que foi gerado o ambiente de alguma crispação.
Nesta, como noutras ocasiões mais ou menos artificiais, alguém tem de servir de carne para canhão. Desta vez, foi o treinador Manuel José, que do alto dos seus vários títulos de campeão em África resolveu chamar a atenção para o que em sua opinião seriam os excessos sociais, entre compromissos protocolares e promocionais, dos nossos craques.
Esqueceu-se Manuel José de que pouco ou nada desta campanha terá sido muito diverso de anteriores, incluindo a que a nação tanto aplaudiu, de bandeira nacional à janela, sob a égide de Scolari.
Acontece que, quando Manuel José falou, já o povo andava pelos mais variados fóruns de rádios e televisões a debitar críticas às ostentações sociais dos nossos craques, designadamente os carros de alta cilindrada que parquearam em Óbidos.
Tivessem os nossos craques estacionado os seus popós numa garagem resguardada, evitando a sensação de que o salão automóvel de Genebra se tinha repentinamente transferido para Óbidos, e talvez nada disto tivesse acontecido. E até, quem sabe, Manuel José tivesse falado um pouco mais do 4x3x3 e um pouco menos de folclore.
Depois, bem, depois foi o que se viu: alguém, certamente dotado de uma suprema inteligência estratégica, convenceu os craques de que estavam a ser atacados por todos os lados. Instalou-se, então, um mini "blackout", tão artificial quanto pode ser a ideia de que uma nação pode ter um inimigo externo dentro de si mesma. Coisa de mentes e regimes obviamente totalitários e em nada comparáveis aos "blackouts" de clubes e sociedades desportivas que, essas, só têm contas a prestar aos seus sócios e acionistas.
Problema maior é que, fruto de ninguém saber ao certo como combater para vencer a grave crise financeira, económica, social e política, está instalado o seguinte "modus vivendi": os pobres estão a ficar mais pobres, a classe média também está a ficar mais pobre e a classe alta vive com imensa vergonha (será medo?) de consumir - no mínimo, de ostentar consumos mais luxuosos - quando deveria ser ela a puxar pela economia. Foi com este paradoxo, filho da crise, que se definiram amigos e inimigos da seleção nacional.
Deixem-se disso.