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Não me lembro onde estivemos no inverno passado. Parece que havia eleições por essa altura do ano, mas até isso é uma ideia um pouco estranha, porque recordo que no final do outono anterior já tinha havido umas e se calhar devo estar a misturar umas com as outras...
Tenho ideia de que havia eleições, mas o curioso é que de que estava tudo decidido à partida, com um candidato que já todos sabiam que ia ganhar e que todos o tratavam como se já tivesse ganho, o que é curioso porque, como se sabe, em democracia não há vencedores designados, só há vencedores eleitos.
Mas estou baralhado: se havia eleições porque é não me lembro dos temas de campanha? Aqui do lado, dizem-me que de certeza que eram presidenciais. Mas se era isso, porque é que quase não me lembro de terem falado da ação do presidente num complexo quadro político, ou da posição de Portugal na Europa e no Mundo, do papel das Forças Armadas, do facto de ele ser o garante da Constituição e da sua capacidade ou vontade para criar consensos em tantos temas em que o país necessita de estabilidade?
Aquilo que me recordo vagamente é que a discussão andou quase sempre à volta dos políticos e muito menos à volta dos portugueses. Se uns tantos políticos reformados deviam ou não receber uma subvenção vitalícia, se eram todos corruptos ou só uma parte deles, e mesmo se aqueles que praticavam a política candidatando-se eram afinal políticos ou então, de uma forma estranhamente difusa, eram independentes, como quase todos reclamavam.
Ajudem-me, mas não se a memória não me atraiçoa lembro de um debate com nove candidatos em que o momento mais destacado, o único que arrancou palmas, foi quando um deles disse que a maior parte do debate não lhe interessava porque não estava ali "para a intrigalhada".
Sim, ficou-me na vagamente na memória essa sensação que a Democracia foi genericamente maltratada, que muitos não é sinal de muito, nem de bom e que o populismo é uma doença de fácil propagação em que mesmo aqueles que é suposto nos preservarem dela podem servir de agentes difusores.
Se houve segunda volta ou não, francamente não sei e começo-me seriamente a questionar se esta minha falta de memória sobre esse inverno é involuntária (a idade não perdoa...) ou se é deliberada. Inclino-me fortemente para a segunda.
*CRÓNICA IMAGINADA PARA JANEIRO DE 2017