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Quero que esta crónica seja para recortar e pôr numa moldura em casa dos meus pais. Em casa dos meus pais neste dia em que há cinquenta e cinco anos, tantos - sem fim -, eles se casavam.
Antes do casamento foram-se casando, o meu pai a gravar nos plátanos as iniciais, o meu pai a pôr no dedo da namorada um cravo dobrado em anel, a minha mãe pagando as chamadas caras Porto Lisboa, a minha mãe amando o cão chamado Cão porque era o cão do meu pai.
Depois do casamento continuaram a casar-se: em Angola, por vezes à distância, por vezes juntos - mulher e marido e filhas no mato com gorilas, jiboias e a guerra; à frente da Caixa Geral de Depósitos com a família pela mão, exigindo empréstimo; os dois sempre pela mão com uma filha, outra, outra, outra e outra - e quando, vinte anos depois permaneciam desse modo, só filhas, aparece de surpresa um filho, este que dá de presente um texto no dia dos cinquenta e cinco anos de casamento, e também de surpresa o último filho, que não sabe escrever mas que dá presentes mais valiosos do que textos.
Não é coisa de filho cego dizer que vi os meus pais serem felizes e namorados. Destes tantos cinquenta e cinco anos, estive em quase trinta e cinco - e sempre me embasbaquei e sempre senti a confiança, feita de ver e de crer, que dá ter nascido de dois em um.
E não é coisa de filho cego dizer que busquei e li e procurei, mas (desculpem-me as alegres histórias de amores tristes, Jacob que servia sete anos Labão, pai de Raquel, serrana bela, Romeu sem Julieta) ainda não encontrei amor mais belo do que o de Teresa e Afonso.
Os amores dos livros tiveram uma única oportunidade para viver, mas morreram. O amor de Teresa e Afonso teve oportunidades incontáveis para morrer nos trezentos e sessenta e cinco dias de todos os últimos cinquenta e cinco anos, mas viveu. Nos nadas maravilhosos do quotidiano e nas dificuldades, desgostos e lutas que a vida tem, Teresa e Afonso escolheram amar quando é mais difícil e amar quando é mais fácil. E fazem-no com alegria, espécie de desafio contra os nós de pessimismo e de egoísmo que se apertam à volta da nossa felicidade. Só a alegria os desata.
E aqui chegaram depois de uma vida inteira, depois de vidas inteiras. Mais velhos, mais sábios, mais pais de tantos filhos e avós de tantos netos - e muito mais um do outro, num absoluto namoro chamado casamento.