Na floresta, o mocho viu passar o coelhinho, espavorido. Uma e outra vez. Quando, de novo, o coelho se aproximou, o mocho perguntou-lhe a razão de tanta correria.
Corpo do artigo
"Fujo do lobo que me quer comer!", respondeu o coelho, logo abalando. Passado algum tempo, reapareceu. O mocho disse-lhe: "Isso não é vida. Não podes andar sempre a fugir. Tens de fazer frente ao lobo!". O coelho ficou a pensar no que ouvira e disse-lhe: "Tens razão. Mas como?". O mocho encolheu as asas e disse: "Ah! Isso é contigo. Eu sou apenas consultor".
Há várias versões desta história. A caricatura que delas emerge será, muitas das vezes, injusta. A verdade, porém, é que uma coisa é produzir diagnósticos, análises, dar opiniões, fazer recomendações. Outra é decidir, passar à prática e suportar os custos e riscos da decisão.
Portugal é um país de comentadores, analistas. Diagnosticam, recomendam, opinam (por pudor, talvez devesse escrever na primeira pessoa do plural...). Céleres a criticar a lentidão dos governantes, têm soluções expeditas para quase todos os problemas. Percebe-se que se fossem eles a decidir, tudo seria diferente. A democracia, talvez, um detalhe. O país, ingrato, não os compreende. Não os chama. Não se lhes rende. De facto, este não é um aspecto exclusivamente português. Irritado com algumas questões que os jornalistas lhe colocavam, um primeiro-ministro canadiano ter-lhes-á respondido "get elected!" ("vão a votos!"). Se fosse cá...
Não tendo de decidir, o comentador não tem de carregar com as consequências da decisão. Está numa posição confortável. Ao contribuir para a formação de opinião são úteis. Perigosos são os oportunistas que dizem uma coisa e o seu contrário, em função das circunstâncias.
Recentemente, parece haver mais quem tenha descoberto os prazeres da análise pura. Com um pequeno detalhe. Nalguns casos, trata-se de entidades que têm a possibilidade de vir a governar o país.
O caso BPP é, a esse título, exemplar. A generalidade dos analistas condenou o seu salvamento. Admito que fica esta desagradável sensação de haver quem devesse ser penalizado, pelos erros que cometeu ou pelos riscos que quis correr, e que não o será. Todos minimamente informados sabem, porém, que a opção de deixar cair o BPP não era isenta de riscos. Por menor que fosse o banco. Portugal tem uma dívida externa mais ou menos igual ao PIB. Compramos mais do que vendemos, gastamos acima do que produzimos. Sabem como se financia essa diferença? E quem nos financia? Se a dívida é externa, é lá fora. Por instituições financeiras estrangeiras que emprestam a bancos portugueses. Algumas das quais eram credoras do BPP... Imaginem que se irritavam. Que "fechavam a torneira". Ou que se tornavam esquisitos e punham condições mais gravosas. O BPP podia ficar muito caro! Vejam se em países com dimensão, nível de desenvolvimento e dívida externa semelhante à nossa, houve algum que deixasse falir um banco dependente de credores internacionais. Quem se coloca numa posição de fragilidade sofre as consequências.
Moralmente, o BPP devia falir. E se, então, houvesse outras consequências? Os analistas cá estariam para a crítica. Nada de anormal. Anormal é o PSD ter adoptado a postura de analista quando o seu destino é ser Poder. Assim, não vai lá!