Há cerca de 26 mil quilómetros de muros-fronteira no planeta, o equivalente a mais do dobro do diâmetro da Terra.
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Alguns destes muros são conhecidos como o que divide Israel dos territórios palestinianos; outros, estão mais longe de nós como as barreiras defensivas que separam a Índia e o Bangladesh numa extensão de 4 mil quilómetros; e há ainda outros, perdidos no esquecimento, de resolução infinitamente adiada na política internacional, como o muro de pedra e areia no Sara Ocidental, entre Marrocos e a Mauritânia, erguido ao longo de 2,7 mil quilómetros. Há muros que cortam cidades como Belfast onde cerca de 99 barreiras demarcam as comunidades católicas das protestantes; muros que dividem um país da União Europeia - Chipre - recortando a sua capital, Nicósia, por entre estradas e edifícios, como a cicatriz viva da mais longa disputa diplomática atual do Ocidente. E há muros dentro de cidades como Alfaville: uma comunidade criada em 1978 nos arredores de S. Paulo, para uma elite metropolitana, com cerca de 40 quilómetros de muros, 960 guardas privados, além de um forte apoio policial.
São diferentes as conjunturas e razões que legitimam a construção destes muros. Mas todos têm um denominador comum: reportam-nos para uma lógica ancestral de governação defensiva radicada na imposição da fronteira como linha dicotómica divisória de "uns" de "outros" (o bem do mal) onde a reconciliação e a paz são palavras perdidas. As barreiras não absorvem conflitos, cristalizam-nos; podem cirurgicamente contê-los naquele ponto específico de atuação, mas o dique enche, a água expande-se e encontra sempre outro caminho; são barris de pólvora num Mundo global, mas fraturado, onde a pobreza é a principal causa e consequência da exclusão (o PIB per capita do México é 14% do dos EUA; o da Palestina 7,5% do de Israel).
Erguidos sobre pedra ou arame farpado, cimentados no ódio, no medo, no dogmatismo ideológico ou no fundamentalismo religioso, o muro traça a linha de uma dupla exclusão: de quem está fora e "não pertence" e de quem, de dentro, faz do fechamento sobre si mesmo a mais limitadora reclusão. Há muros dentro de nós.
Professora Coordenadora do Instituto Politécnico do Porto