1.Devagar, devagarinho, mas sempre em frente. Assim poderia resumir-se aquilo que, a caminho do conflito, poderá estar a acontecer mais ou menos à frente dos nossos olhos na Ucrânia. O Governo de Kiev, depois de ter perdido a Crimeia, não pode, em circunstância alguma, permitir-se perder nem que seja um cm2 mais de território no Leste do país. A Rússia, por seu turno, não pode agora permitir-se recuar, depois de ter subido a parada (nem que seja por vias travessas). A União Europeia e os Estados Unidos, finalmente, associaram-se de tal forma ao atual poder em Kiev que, pura e simplesmente, perderam capacidade de contenção.
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A Rússia tem violado o espaço aéreo da Ucrânia; os separatistas capturaram agora vários observadores militares da OSCE, e admitem tratá-los como espiões ou, quando menos, como "prisioneiros de guerra"; as forças ucranianas decidiram cercar as cidades tomadas pelos separatistas; e estes apelam à Rússia para que acorra em seu auxílio. O Tribunal Penal Internacional, para não ficar atrás, anunciou a abertura de um inquérito preliminar para analisar os factos ocorridos antes e durante o processo de queda do anterior Governo ucraniano; a UE vai reunir na segunda, com caráter de urgência, para decidir um agravamento das sanções contra a Rússia; e a Rússia declara que os membros do atual Governo ucraniano deverão, mais tarde ou mais cedo, responder pelos crimes contra o seu próprio povo que lhes imputa.
E guerra, já há? Tecnicamente, na Ucrânia ocorre neste momento um conflito armado. O que acontece no Leste do país já vai muito para lá de simples perturbações da ordem pública. Na verdade, o que ali sucede - e com envolvimento claro da Rússia, mas também de outros países - equivale já a uma situação de insurgência, em que o Governo não consegue afirmar a sua jurisdição sobre o território, e em que insurgentes controlam, efetivamente, parcelas territoriais. Naturalmente, em linguagem político-diplomática, evita-se falar em conflito armado. Diz-se que a situação está muito "tensa", em Kiev fala-se em "terroristas" (muito se gosta desta palavra para desqualificar o opositor!), etc. Mas a verdade é que, por impensável que possa parecer, de tantas vezes se falar no lobo, de tantas vezes se adotar um linguajar cada vez mais agressivo e bélico, ficamos presos na nossa própria jogada de poker. Cada um lança para a mesa todas as suas fichas. Cada um se arrisca a ficar sem nenhuma.
2.Longe dali, a Coreia do Norte poderá estar a preparar o seu quarto ensaio nuclear. Tudo o que vem daquele país costuma ser mau, e esta notícia não é exceção. O regime norte-coreano é bárbaro, e representa uma ameaça muito grave à paz e segurança internacionais. Barack Obama, presidente dos Estados Unidos (em visita à Coreia do Sul) prometeu estar ao lado de Seul para o que der e vier: e falou da Coreia do Norte como "Estado pária fraco". Não é a qualificação das mais felizes, porque o termo "pária" foi muito (e mal) utilizado por Bush Jr., o seu antecessor, se não o pior, certamente um dos piores da História presidencial norte-americana. Mas, enfim, se há alturas em que até posso aceitar, será esta.
3.Finalmente, a Palestina. O Hamas fez as pazes com a Autoridade Palestiniana, a quem tinha atraiçoado sem dó nem piedade. Lá reagiu Israel porque (e com razão) não pode gostar que o líder da Autoridade, Abbas, se (re)associe ao Hamas, pelas ações terroristas e irredutíveis que lhe atribui. Abbas, em resposta, deu a pior das respostas: falou alto e grosso, e mais disse que nunca reconhecerá um "Estado judeu". Voltamos, por isso, muito atrás, a um tempo em que os opositores de Israel não aceitavam, em quaisquer circunstâncias, admitir a própria existência de um Estado judaico. Israel tem razão em tudo? Claro que não. Desde logo porque, de forma inaceitável, recusa a estadualidade da Palestina e o direito e autodeterminação do seu povo; e porque viola por isso o direito internacional todos os dias. Porém, nestas circunstâncias, não sei qual das duas partes se deva criticar mais neste conflito infindável. E, aos costumes, deverão ser criticados os dois. Fica, assim, o mal distribuído pelas aldeias.