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O meu texto não é sobre João Galamba, as suas razões e comportamentos. É sobre António Costa e a sua ação na gestão do governo e do país. Galamba pode manter-se no governo por 10 anos ou demitir-se ou ser demitido para a semana. Isso não interessa para o raciocínio. O que conta é a relação entre o Presidente e o Primeiro-Ministro.
Vivemos todos no mesmo país, certo? Então vejamos, sem dramas e de forma objetiva:
- o Presidente da República tem toda a legitimidade para dizer o que pensa dos Ministros, sobretudo se for em privado, embora opte normalmente pelas declarações públicas;
- tem falado quando entende, sem recato, nem reserva, deixando claro o seu pensamento;
- disse-o sobre João Galamba, estando o Primeiro-Ministro no estrangeiro e dando pré-sinal de marcha ao Ministro;
- o Primeiro-Ministro já deu, por várias vezes, sequência a essas abordagens críticas do Presidente, demitindo, por exemplo, Eduardo Cabrita, Constança Urbano de Sousa, Miguel Alves, Rita Marques, todos na sequência de expressões (públicas) de vontade do Presidente da República;
- desta vez, e pela primeira vez, o Primeiro-Ministro entendeu que deveria manter o Ministro, coisa totalmente legítima para quem tem a missão de liderar o Governo e de trabalhar com os ministros;
- o Presidente da República discorda, coisa também absolutamente legítima; muitas outras pessoas discordam, mas isso é a vida democrática;
- os órgãos de soberania não têm de pensar sempre o mesmo, nem mandar uns nos outros, devem entender-se em recato e encontrar equilíbrios;
- o essencial é a manutenção do respeito e a ação nas áreas de competência de cada um; quando o Primeiro-Ministro discordar do Presidente, não vem mal ao mundo, é a democracia a funcionar; quando o Presidente discordar do Primeiro-Ministro, não cai a Torre dos Clérigos, é a democracia a funcionar;
- o Presidente não escolhe, nem demite ministros; o Primeiro-Ministro deve perceber os sinais do Presidente, coisa que tem esmagadoramente feito, mas não tem que obedecer a tudo o que o Presidente opina, sob pena de lhe entregar o governo;
- nem o Primeiro-Ministro é subserviente quando segue as linhas de pensamento do Presidente, nem o Primeiro-Ministro é provocador quando (por uma vez) decide sobre o seu Governo de forma diferente do que o Presidente alvitra;
- quem acha que a manutenção do Ministro foi uma provocação, acredita mesmo que um Primeiro-Ministro tem que obedecer cegamente a todas as opiniões (públicas) do Presidente?
Posto isto; qual é a histeria que se instalou?
Uma coisa é discordarmos da decisão de manter o Ministro, este ou outro qualquer. Outra coisa é achar que o Primeiro-Ministro tem de montar o Governo que o Presidente quer em cada momento.
Não valeria a pena parar para pensar, abdicar de uns dias da comunicação e crescermos como pessoas e como país? O Presidente não é, como o Primeiro-Ministro também não é, uma florzinha de cheiro. Podem entender-se e, às vezes, discordar. É o funcionamento da democracia e das instituições.
O ideal seria que o Presidente mandasse menos recados pelos jornais, menos declarações políticas a cada hora, e que houvesse mais recato; que tivéssemos menos declarações de resposta e contrarresposta e mais reuniões reservadas onde se tratem os assuntos sem colocar ninguém em posição de desvantagem.
Ou alguém dúvida de que as afirmações públicas a desmanchar os Ministros também são verdadeiras provocações ao Primeiro-Ministro, que parece ficar encurralado pelo Presidente? E todos sabemos que esta não é forma de exercer influência num governo, até porque o Presidente não é corresponsável pelo governo.
Valha-nos que os portugueses ignoram parte deste terramoto que muitos tentam criar, seguindo a sua vida e ajudando a construir um país melhor. E esses portugueses merecem o respeito de quem se diverte a fazer histerias com assuntos de um Estado democrático.
*Presidente da CM Gaia / Área Metropolitana do Porto