Aparentemente, tudo correu dentro da normalidade nas eleições angolanas de ontem. Por quatro razões, no essencial. 1. A vitória do MPLA e do presidente José Eduardo dos Santos é mais do que previsível. 2. O líder da UNITA já anunciou que vai pedir a impugnação do ato eleitoral - cujos primeiros resultados devemos começar a conhecer neste sábado. 3. A União Africana considerou "satisfatória" a organização do escrutínio. 4. A restante comunidade internacional faz de conta que tudo se desenvolveu no respeito de todas as regras democráticas. Nada de muito novo, portanto.
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A ida às urnas naquele país africano deixa, no entanto, no ar algumas interrogações. Uma desfaz-se este fim de semana: vai o MPLA alcançar a maioria absoluta ou, pelo contrário, ficar-se pela maioria simples, cedendo à oposição liderada pela UNITA e por dissidentes, desta vez encabeçados pelo CASA-CE de Abel Chivukuvuku, mais espaço de manobra no Parlamento de Luanda?
A outra dúvida não vai clarificar-se tão cedo: é, ou não, esta a eleição que ditará a transição para o sucessor de José Eduardo dos Santos? O ex-homem forte da petrolífera Sonangol, Manuel Vicente, tem sido o nome de quem se fala para ocupar o lugar que é de Eduardo dos Santos há mais de três décadas. É um homem próximo do presidente, personifica o estereotipo de uma nova classe política angolana, sem ligações à poderosa hierarquia militar, que fez carreira nos negócios dentro e, sobretudo, fora de portas. Alguém capaz de dar ao Mundo uma visão de uma Angola inequivocamente mais próspera (ainda que uma parte significativa da população viva abaixo do limiar de pobreza), capaz de levar por diante uma mudança de mentalidades e de combate à corrupção de que a sociedade angolana precisa e parte dela vai reclamando cada vez mais.
Mas Vicente, um nome visto com desconfiança pela velha guarda do MPLA, não está sozinho nesta guerra ainda invisível pela conquista da cadeira do Futungo. O ex-secretário-geral do MPLA, João Lourenço, ou Pitra Neto são dois pesos-pesados da política angolana, com forte popularidade entre as estruturas militares, aparentemente pouco disponíveis para ceder protagonismo a alguém acabado de chegar à cena política luandense. O que parece certo é a intenção de Eduardo dos Santos, sempre ele, de conduzir com uma firmeza "de veludo" esta esperada transição. Uma mudança que, especula-se, poderá ditar que o mandato que deverá sair destas eleições possa não ser levado até ao fim, em 2017.
Sendo certo que a nova Constituição (que extinguiu a eleição presidencial direta) permitiria a eleição de Eduardo dos Santos por mais dois mandatos (até 2022, portanto) não é expectável que tal venha a acontecer. Afinal, o presidente acabou de cumprir 70 anos recentemente e todos acreditam que este é o momento de iniciar a complicada saída. Um processo que não será indiferente aos resultados destas eleições e da performance da oposição ao MPLA, onde o carismático Chivukuvuku joga um trunfo forte ao capitalizar apoios tanto da UNITA como do MPLA, captando, dessa forma, a atenção da juventude urbana de Luanda. Resta saber se essa dinâmica se traduz em votos.