A "taxa de crise" sobre empresas farmacêuticas que o ministro da Saúde quer implementar é um absurdo. Já pouco falta para o ministro mendigar à indústria que ofereça os medicamentos de graça. A partir de agora, quem mais vender - logo, mais impostos pagar - mais terá de "indemnizar" o Estado com uma taxa adicional; quem menos vender - por possuir menos soluções para a saúde dos portugueses - menos pagará.
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Confesso alguma dificuldade em perceber que sinal é este que o Governo quer passar aos empresários. Pergunte-se à Bial quanto custou (em anos e em euros) o antiepilético que só agora começa a ser comercializado internacionalmente. Porque já existem mecanismos para regular o lucro das farmacêuticas: a negociação extrema dos preços e um instrumento fiscal chamado... IRC! Qualquer taxa para além desta não passa de dupla tributação, como se uma empresa tivesse de ser castigada por ter sucesso. É pura demagogia chamar "despesa pública" às vendas de empresas cuja missão não pode ser outra senão investigar e vender a cura de doenças. Ainda bem que existem! O Estado, pelo contrário, não gasta praticamente nada em investigação! Depois, não se admirem se estas empresas despedirem trabalhadores, desinvestirem da investigação, se mudarem para Espanha ou se se recusarem a fornecer medicamentos a Portugal - privando-nos dos melhores fármacos - porque a operação portuguesa lhes dá prejuízo.
A taxa sobre alimentos com alto teor de gordura, sal ou açúcar foi outro absurdo. E aqui, sim, já se notava a mãozinha da Direita, ao tentar incutir pedagogia através de impostos. Porque essa coisa do livre-arbítrio é conversa das Esquerdas; à Direita, há que educar o povoléu, regrando vícios, apesar de ter sido este mesmo Governo que pôs milhares de portugueses a alimentar-se de gorduras saturadas e hidratos de carbono, por não terem dinheiro para mais. De uma coerência extrema!
O absurdo advém de que, também aqui, já existem mecanismos de regulação: o controlo dos ingredientes dos alimentos e um instrumento fiscal chamado IVA! Que, no caso em questão, até já é, genericamente, de 23%. Qualquer taxa para além desta é puro proselitismo, e só serve para materializar preconceitos em detrimento de outras patologias (igualmente comportamentais) que, por não terem etiologia alimentar, passam ao lado do "castigo". Tendinites do golfe, da vela ou do ténis, por exemplo.
Percebe-se que para estas luminárias da moral taxar condutas "desviantes" seja toda uma tentação, um programa, uma ideologia. Não se admirem é se daí resultar um tecido social totalmente esfarrapado, com os mais novos descurando os mais velhos, os saudáveis culpando os obesos, os magros censurando os diabéticos ou os brancos apontando os negros, quando é o Governo, ao discriminar biótipos, quem dá o mote. Sim, a hipertensão arterial é mais frequente na raça negra do que na branca, não tem por causa, unicamente, o sal. E vão pôr os negros a pagar mais impostos?
Dado que Doctor Paulo transformou a Saúde em malabarismos do "deve e haver", convém lembrar que o Tribunal de Contas responsabilizou a (sua) Administração Central dos Serviços de Saúde de ter lesado o Estado em 369 mil euros com contratações de serviços e trabalhadores privados, alguns dos quais sem "experiência anterior relevante para o exercício de funções", sugerindo "risco de favorecimentos"; e que foram gastos 595 mil euros em consultadoria jurídica, havendo gabinete e juristas próprios. Enquanto isso, no país real, a falta de batas obrigou a cancelar cirurgias no IPO de Lisboa; na ULS de Bragança, doentes foram obrigados a limpar-se a lençóis por falta de fornecimento de toalhas pelo Serviço de Utilização Comum dos Hospitais; e a Associação dos Enfermeiros de Sala de Operações Portugueses denunciou o uso de lâminas de bisturi que não cortam e luvas cirúrgicas que rasgam, compradas por serem mais baratas.
A tia Anita, de Vila Pouca do Interior, é que vai mesmo ter de comprar telemóvel (ou ligar-se à net) porque, felizmente, Doctor Paulo já tem solução para todos aqueles constrangimentos financeiros: vai passar a cobrar taxa moderadora não apenas a quem for às consultas, mas também a quem faltar!
Ligue a dizer que não pode ir hoje, tia Anita!
joaoluisguimaraes@mail.telepac.pt