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"Il farfalla", diz o carteiro... "O Carteiro de Pablo Neruda", um filme sobre a história do homem que, na Itália litoral e recôndita, entregava a correspondência ao grande escritor chileno aquando do seu exílio. "Il farfalla" é borboleta em italiano. A poesia, as borboletas, os aromas, a Primavera, o horizonte, il donne (as mulheres)... "Il metafore!". As metáforas. Exatamente.
O PS é um partido estúpido (sem metáfora) mas, aproveitando Fernando Pessoa, todos os partidos são como as cartas de amor... estúpidos. E o Mundo não seria o mesmo sem esta estupidez. Claro, um partido pode ser menos estúpido com um líder inteligente. Mas desde o ciclo Durão Barroso, foi sempre a descer (sem metáfora). Até Santana Lopes acabou resgatado por Passos Coelho. A Esquerda repete quotidianamente: "o atual Governo é o pior da história da democracia". Ah, Santana... belo circo... Agora icónico presidente da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. A vida, uma metáfora.
António Costa podia ter sido o secretário-geral do PS desde a saída de José Sócrates, mas deixou--se ficar na "dolce seduzione" da Lisboa absolutamente fascinante, viciante, que completa o ego de qualquer homem (do Poder). Não por acaso Jorge Sampaio transitou diretamente da Praça do Município (Câmara) para o Palácio de Belém (Presidência da República) sem nunca ter passado por São Bento (sede do Governo). "Lisboa é mãe solteira, amou como se fosse a mais indefesa, princesa, que as trevas algum dia coroaram" - Sérgio Godinho. Os belos olhos negros de Lisboa, os longos cabelos que escorrem da colina do Castelo ao Rossio e se estendem pela marginal até aos Jerónimos, que condenam ao ostracismo o resto do país há séculos. Impossível não se amar Lisboa.
António Costa quis cuidar de Lisboa, Lisboa deixou-se cuidar por ele. E assim, o melhor ministro da Justiça e depois da Administração Interna que Portugal teve nas últimas décadas deixou Sócrates, deixou o país, e foi tratar da 'bella donna'. E quando o socialismo de terceira via socratiano caiu, não se meteu na 'alma'-'lama'--'mala' (escolha você mesmo) do PS.
Ah, Lisboa!, a luz branca, os pássaros, os artistas, as ruas quentes com o Tejo ao fundo, a babel do Bairro Alto, os jacarandás da primavera nas ruas próximas à Avenida da Liberdade, e depois o Farol do Bugio no meio do rio, Cascais e Sintra ali perto, as deslumbrantes curvas da marginal (sem metáfora)... Há homens felizes e há homens abnegados. Costa é do primeiro tipo, mas precisávamos do segundo. Existirá?
Um amigo conta-me que momentos antes do PS cair do pedestal houve um jantar em casa de Basílio Horta. Os protagonistas da crise (talvez Portas, talvez Sócrates) discutiram como evitar a queda do Governo e a vinda da troika. Portas não faria ruir o país se Sócrates saísse. Sócrates saía se Costa tomasse conta do lugar. Costa não quis ser o 'Gordon Brown' de Sócrates. Gordon Brown foi um notável (relâmpago) primeiro--ministro inglês que ajudou o Reino Unido (e a Europa) a resistir à crise financeira de 2008 pós-Lehman Brothers. O famoso plano 'Gordon Brown'. Gordon salvou Inglaterra e perdeu as eleições seguintes. Costa de facto não perdeu nada. Portugal perdeu quase tudo.
Aqui chegamos ao PS lírico, camoniano: vai Seguro, mas não formoso (sem metáfora). Encalhado no seu "petit monde". E de repente surge no horizonte o grande vulto. Finalmente a metáfora essencial: algo dá à Costa no PS... As borboletas-históricas, com a delicadeza dos elefantes, agitam-se de nenúfar em nenúfar, umas em êxtase, outras assustadas. A lealdade. A promessa autárquica. A guerra autárquica. O país tático. O medo de quebrar um partido partido... E o país perdido?
Há um barco encalhado na costa italiana que se aproximou demasiado da praia e já não conseguiu recuar. Gigantesco. Belo. Morto. O Costa Concordia. Sobraram náufragos e seguros.