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A Grécia foi um verdadeiro laboratório para a experimentação das políticas de austeridade e a imposição da ortodoxia orçamental que marcam um dos episódios mais tristes da história europeia recente. Ali se testaram as potencialidades da troika como fórmula eficaz para neutralizar a legítima pressão democrática sobre os governos nacionais e para garantir a aplicação estrita de medidas de uma violência inédita. Não hesitaram nas tentativas de desqualificar a sua herança cultural, de os acusar de vícios morais e comportamentos indecentes para arrasar o brio e a dignidade do seu povo com o intuito de os responsabilizar pelo fracasso das políticas que eles próprios lhes ditavam. Conhecemos bem os resultados a que esta estratégia cínica e brutal conduziu. A situação financeira continuou a agravar-se e a incapacidade do sistema político de gerar alternativas viáveis determinou uma extensa recomposição do espectro partidário de que emergiu o Syrisa, a força política que governa a Grécia, confirmada em dois atos eleitorais sucessivos.
A estratégia aplicada a Portugal para precipitar a bancarrota, forçar o pedido de resgate e impor as políticas drásticas de austeridade que flagelaram o país de 2011 e 2015, foi basicamente a mesma anteriormente ensaiada contra a Grécia e ali aplicada ainda com maior brutalidade. Fizeram tábua rasa da crise financeira internacional de 2008 e dos efeitos assimétricos produzidos por uma união monetária incipiente para que a dívida soberana pudesse ser explicada como mera consequência de termos vivido "acima das nossas possibilidades", à custa dos credores. A expiação do suposto pecado coletivo, oferecia desta forma uma poderosa justificação moral para exigir quaisquer sacrifícios, para sufocar a mais legítima indignação e para ignorar, com displicência, as trágicas consequências sociais e económicas resultantes da aplicação do programa previsto. Em Portugal, o sistema político resistiu porque o Partido Socialista foi capaz de assumir as suas responsabilidade e construiu uma alternativa que mereceu o apoio de toda a Esquerda e lhe garante o apoio maioritário do Parlamento.
É por isso que a visita do primeiro-ministro português à Grécia reveste uma importância simbólica que não é demais sublinhar. Não foi apenas o encontro entre António Costa e Alexis Tsipras mas também o teor da declaração conjunta apresentada no final da reunião e, por fim, a visita ao campo de refugiados de Eleonas, nas imediações da capital. Na declaração conjunta que assinaram, denunciam as políticas de austeridade que apenas geraram miséria e desemprego, contribuindo para "deprimir as economias e dividir as sociedades" dos países da União onde foram aplicadas. "Com o crescimento da desigualdade social e da pobreza, os nossos países e a Europa enfrentam um longo período de estagnação económica". A crise dos refugiados é também objeto de especial preocupação. Ambos se insurgem contra a construção unilateral de "muros" e "barreiras" por parte de certos governos da Europa e prometem juntar esforços para a definição de uma política migratória solidária e aberta aos cidadãos que carecem de proteção internacional.
O encontro não se limitou aos abraços protocolares e proclamações generosas. Tratou-se também da necessidade de acelerar o processo de recolocação dos refugiados que continuam a chegar às costas da Grécia e da Itália. O comprometimento efetivo manifestado pelo primeiro-ministro português mereceu o elogio e o reconhecimento do chefe do Governo grego, que não deixou de assinalar o contraste entre a solidariedade de Portugal e o egoísmo de outros países europeus, bastante mais populosos e com uma situação económica mais confortável...
DEPUTADO E PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL