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Li o ensaio que dá título ao livro de Aníbal Cavaco Silva, “O primeiro-ministro e a arte de governar”. Cavaco designa o seu texto como um “ensaio normativo” sobre o que, no essencial, a Constituição prevê, em atribuições e competências, para aquela figura político-institucional, por um lado, certamente reflexo do seu próprio desempenho e experiência naquelas funções, por outro. Cavaco foi o PM do terceiro “D” do programa do MFA de há quase meio século, o “D” do desenvolvimento. No ensaio, Cavaco parte do que “são” essas funções para o “como devem ser” exercidas. O que, a contrario, permite ao leitor reflectir em “como não devem ser exercidas”. Uma espécie de “arte de como não se deve governar”, se quisermos. Cavaco, evidentemente, situa-se num plano abstracto e não dá exemplos. Mas os oitos anos que António Costa já leva de incumbência como primeiro-ministro dão-me o dever e o direito de “concretizar” o que tem sido a sua “arte de como não se deve governar”. Vejamos. António Costa não pode “invocar desconhecimento sobre desenvolvimentos relevantes num ministério” porque “pode ter custos políticos de credibilidade elevados para um primeiro-ministro”. António Costa não deve medir a sua popularidade, ou a dos ministros, “pelas sondagens de opinião publicadas”. António Costa “não pode deixar de propor a demissão de um ministro” quando este, ou esta, usa de “comportamentos reveladores de ausência de sentido de Estado”, ou quando recorre a “linguagem insultuosa a em relação a agentes políticos, económicos, sociais ou culturais”, violando gravemente a ética política. Não vai comer jaquinzinhos fritos com ele, ou ela, como se não se passasse nada. Ao assim proceder, António Costa vê a sua credibilidade moral e política “duramente ferida”. Aliás, parece que se resignou definitivamente “a presidir a um Governo de ministros incompetentes e medíocres, com custos muito elevados para o país”. O sucesso de um Governo depende, e muito, do discurso, das atitudes e dos argumentos do primeiro-ministro. Que deve “falar verdade aos portugueses, não tentar enganá-los ou criar falsas ilusões, primar pela clareza de atitudes, não fazer promessas que sabe não poder cumprir e evitar o discurso ideológico e propagandístico”. Que deve “evitar a demagogia e retórica fácil, e ser exemplo de urbanidade e boa educação”, não insultando nem sendo autoritariamente agressivo face a “ataques da Oposição ou às críticas de cidadãos, jornalistas ou grupos da sociedade civil”. Não é assim tão complicado, pois não, dr. António Costa?
*O autor escreve segundo a antiga ortografia