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Quando a Teresa nasceu, fez agora um ano, puseram-na na unidade de neonatologia porque respirava com muita dificuldade. Durante mais de uma semana, ali foi o mundo, ali onde a nossa filha respirava por tubos e por tubos comia.
O nosso pequeníssimo bebé, guardião de tudo o que era nosso e de tudo o que nosso seria, da nossa esperança e do nosso amor, o nosso pequeníssimo bebé, que mal esteve junto de nós durante a primeira noite, foi levado para uma sala que actuava por si própria, cheia de máquinas, tubos, incubadoras e oxigénios. E onde ouvíamos as vozes tranquilas das enfermeiras e das médicas – além do choro dos pais.
Lembro-me de pensar que, feita de medo, a nossa fragilidade tinha de ser forte pela Teresa. A nossa esperança tinha de ser enorme também. E que nós, a Mafalda e eu, respirávamos com a Teresa, a máquina que a sustentava a ela sustentava-nos a nós.
Entre as preocupações e a tristeza houve tempo para alegrias. A certeza de que cada enfermeira e médica, cada auxiliar, nos seus cuidados firmes, tão mais firmes do que nós, transportava consigo algo puro e divino que só podia ser – estava-lhes na cara – uma terna luz de humanidade.
A custo, nos dez dias em que a Teresa esteve internada na CUF Descobertas, a Mafalda e eu conseguimos olhar para os outros bebés. Um pai jovem, sozinho, andava numa angústia entre uma e outra incubadora. Vigiava os gémeos recém-nascidos. E a mãe tardava, e a mãe quando vinha? Era o mistério daquele pai torturado.
Soubemos, a certa altura, que a mãe estava por sua vez nos cuidados intensivos, em perigo. E o pai ia e vinha entre os cuidados intensivos dos gémeos e os cuidados intensivos da mulher, partido em três mas aparentemente inteiro.
E assim passaram os dias – nós suspensos na Teresa, ele em três poisos –, até que, num fim de tarde, as enfermeiras e as médicas desapareceram e ouvimos tal salva de palmas que se silenciaram os apitos das máquinas.
Na sala ao lado, visível através das janelas, dorida e numa cadeira de rodas, entrara a mãe dos gémeos. E pela primeira vez recebia no colo os filhos. Ao lado, o pai começava a compreender que já não precisava de resistir pelos três. E todos os profissionais, que digo, todas as maravilhosas pessoas da neonatologia batiam palmas, tiravam fotografias e choravam. Esta cena vai ficar para sempre na minha memória como uma miragem de felicidade a pairar sobre as tristezas da vida.
Então, devagar e a sorrir, pois se o sorriso era a única resposta, as auxiliares, as enfermeiras e as médicas voltaram para junto da Teresa – e nós soubemos que, muito em breve, o nosso bebé ficaria saudável, porque estava ao colo de anjos.
Obrigado.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia