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Meia Europa a arrepanhar cabelos num debate de verão sobre a proibição do burquíni nas areias chiques da Riviera francesa, e eu a viajar há dias até ao "fim do Mundo", como também chamam ao cabo Finisterra. Ora, é desse lugar que me lembro ao ver a foto de três poderosos europeus, a bordo de um porta-aviões preparado para a guerra, prometendo uma forte guarda costeira e, sem se rirem, "mais e melhor Europa". Falaram numa das pontinhas a Sul, mas de costas voltadas ao Mediterrâneo, o mais antigo mar da nossa civilização, agora túmulo de milhares de refugiados, mais quatro mil desde janeiro, esses a quem fechamos a porta em nome do medo legítimo de que islamizem a nossa cultura, ou de que alguns deles - o terrorismo em geral - soltem um camião tresloucado por cima dos nossos e se façam explodir na estação onde tomamos o comboio.
Uma das armas da propaganda jiadista, que alimenta o terrorismo, é fazer-nos confundir o islamismo fanático e radical com todos os que professam a religião muçulmana. Logo, o receio pela diferença e pelos que são diferentes. Logo, o medo, sempre o medo, e a segregação.
O racismo e a xenofobia estão aí. E alguns dos nossos vizinhos, entre os 25 milhões de muçulmanos europeus, são o bode expiatório mais à mão. O crescendo de islamofobia revela, por si só, que os fundamentos de liberdade, igualdade e solidariedade sempre foram mais retóricos ou, o que é o mesmo, que a crise europeia é, antes de tudo, uma crise de princípios e valores.
O que os muçulmanos esperam da Europa é, no essencial, paz, pão, liberdade e justiça social. Como cada um de nós.
E dizia eu que fui ao fim do Mundo. Já os Celtas, que andaram por aqui e deixaram descendência, acreditavam num "mais além" e buscavam-no seguindo a trajetória do sol, de oriente para ocidente. Foi assim que muitos fizeram a viagem até aos confins, onde a terra acaba e o mar começa. Ora, numa das pontas do Velho Continente, a quatro jornadas a poente de Santiago, encontra-se Finisterra, uma referência geodésica que está para os galegos como o cabo da Roca para nós. Mas esse lugar, também chamado "costa da morte", tem a magia do mito para quem acredita nele. Era da tradição secular que, chegados ali, os peregrinos contemplavam o pôr do sol e esperavam por um novo amanhecer. Então, ao primeiro alvor, queimavam as roupas do caminho e banhavam-se em cerimónia iniciática, de renascimento. A ideia de uma Europa de vistas largas e aberta ao Mundo já só lá vai com banhos destes: nascer de novo, ou será apenas mito.
*DIRETOR