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O imposto extraordinário sobre a riqueza líquida que o antigo ministro das Finanças, Miguel Cadilhe, propôs nestas páginas não podia estar mais atual após o Tribunal Constitucional ter avisado o Governo de que não pode prosseguir com cortes nos subsídios de férias e Natal dos funcionários públicos e de o primeiro-ministro ter tirado dessa inconstitucionalidade a ilação de que, assim sendo, a política orçamental vai ter de contar com mais austeridade, desta vez decretada sobre os privados e muito provavelmente sob a forma de cortes similares.
Não me parece normal que o Tribunal Constitucional sentencie para o futuro, por assim dizer. E foi o que fez ao considerar que este ano os cortes dos subsídios passavam, mas antecipando que no próximo não haverá justificação para tal.
No nosso modelo, cabe a todo e qualquer juiz ter em conta as atenuantes relativas às circunstâncias das ilicitudes. E nessa base sentenciar. Mas o que o Tribunal Constitucional fez foi não só atender às atenuantes mas acrescentar-lhes adivinhação. No caso: que as circunstâncias da emergência serão irrepetíveis. Serão?!
Também não me parece normal que a estranha sentença do Tribunal Constitucional possa impelir o primeiro-ministro a confirmar pelos atos o que parece ter predito. Ou seja: mais doses de cobrança rápida, com dor mas sem escapatória, a quem trabalha, desta vez por contrato privado, para obter as receitas de que o Estado precisa para equilibrar as suas despesas, muitas delas sem correspondência com a utilidade social que se requer a todas as opções, sobretudo em tempo de austeridade. Exemplo aberrante disto são os milhões de euros das compensações com que o Estado indemniza mais o serviço público da RTP do que a todas as empresas de transportes públicos que servem as populações do Grande Porto e da Grande Lisboa.
Se persistir, Passos negará pedras filosofais do programa que propôs aos portugueses. Pedras que não custam dinheiro: diminuir drasticamente as despesas do Estado e olhar ao grau de utilidade social sempre que houver lugar ao cotejo de alternativas fiscais, de investimento público ou de distribuição de benefícios sociais.
Com o agravamento do problema do défice orçamental, a proposta de Cadilhe tem cada vez mais e melhores razões para ser aplicada.
Como o próprio explicou, um imposto sobre a riqueza líquida (os ativos menos os passivos), irrepetível e inteiramente consagrado ao pagamento da dívida, excluindo pelo método das isenções de base a maioria das famílias, e tendo por base uma taxa de 3 ou 4 por cento, baixaria em 10 a 15 pontos o rácio da dívida pública/PIB. Respiraríamos!
Dizem alguns que esta é uma proposta que requer um enorme trabalho técnico. Pois...