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Um qualquer número de sem-abrigo em Portugal seria sempre chocante. No ano passado, eram 10.773. A estatística, ontem conhecida, pode ser exposta de forma benigna, afirmando-se que há 1,08 pessoas em situação de sem-abrigo por mil residentes. Confesso que prefiro olhar para o problema de uma forma disruptiva. Porquê responsabilizar apenas o Estado ou as IPSS pela resolução do problema?
Em vários fóruns, ouvimos um sem-número de empresários orgulhosos das suas políticas de responsabilidade social. Pensemos desta forma relativamente simples: há mais de 1,4 milhões de empresas em atividade. Se cada uma abraçasse a responsabilidade pela reabilitação de quem não tem um teto, ficaria então encarregada de tratar o problema de 0,007 sem-abrigo. Dito de outra forma, bastaria que 10.773 empresas apadrinhassem apenas um dos desabrigados para que este grupo de excluídos fosse positivamente extinto. O papel do Estado poderia incluir um tratamento fiscal favorável desta benfeitoria.
Qualquer que seja a situação concreta de cada sem-abrigo, é hoje consensual que a sua recuperação para a vida ativa é extremamente problemática. Ou seja, mesmo que o Estado ou um qualquer empresário atire dinheiro para cima do problema, nada se resolve num abrir e fechar de olhos. Muitos necessitam só de um teto, um emprego e uma higiene cuidada para recuperar o amor-próprio. No entanto, a maior parte necessita de uma forte intervenção de apoio psicológico e de reintegração na sociedade. Daí o termo que proponho de apadrinhamento. Em Portland, nos EUA, comprovou-se que o envolvimento das elites empresariais neste tipo de apoio fez mais pelos excluídos sem-abrigo do que os serviços do Estado, até porque têm uma alta capacidade de mobilizar ou mesmo forçar os políticos e outras forças vivas da sociedade a envolverem-se na resolução do problema.