Está quase a acabar o calor. Mais uns dias e ninguém se lembra dos fogos. Mas o novo decreto-lei do Governo (96/2013, de 19 de julho), que permite a expansão livre do eucalipto para as propriedades abaixo dos dois hectares, está para ficar.
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O Governo continua calado, a ver se passa sem nada mudar, para não ter de vir publicamente reconhecer um erro do tamanho de Portugal inteiro. Que boa razão explica criar-se uma lei geradora de hectares e hectares de eucaliptos em contínuo, impossíveis de apagar sem um enorme risco de vitimar bombeiros em caso de incêndio?
O Governo ignorou todos os avisos e mais um. O ex-secretário das Florestas, Daniel Campelo, bateu-se como um anjo pela bondade da medida e entretanto saiu do Governo. Foi substituído por Francisco Gomes da Silva, que deu continuidade ao 'excelente' trabalho que vinha detrás. A ministra Cristas, que da floresta tem essencialmente a experiência das resmas de papel para os contratos do escritório de advogados de Lisboa onde trabalhou, assinou de cruz a legislação, e o mesmo se diga do primeiro-ministro, que não tem tempo para as pequenas coisas. E por isso fica esta dúvida, porventura irrespondível: quem ganha com isto? Por que é que deu na cabeça de alguém deste Governo fazer uma cruzada liberal na floresta entregando o país às mãos dos incendiários? Quanto é que isto vale?
Repare-se no que dizia o comunicado conjunto de 10 associações ambientalistas de 23 de julho (da Quercus à Liga para a Proteção da Natureza), quatro dias depois de publicado o decreto do Governo. "O potencial impacto ambiental da entrada em vigor deste diploma não foi calculado nem será sequer contabilizado, estando previstas isenções desta ferramenta legal pelo deferimento tácito de ações de arborização e rearborização para áreas inferiores a dois hectares. A estrutura fundiária do país, em particular no Norte, onde proliferam as pequenas propriedades, aumenta ainda mais o potencial impacto negativo deste diploma".
Maluquinhos do ambiente? Gente que não quer o 'progresso'? Leia-se mais este argumento: "O impacto cumulativo da entrada em vigor desta lei é incalculável pelos seus efeitos paisagísticos, sobre a qualidade dos solos e das águas, com um potencial de destruição comparável a poucas iniciativas na história recente do país, como a campanha do trigo nos anos 40. Além disso, de um volume de cerca de 43 milhões de metros cúbicos de eucalipto já em crescimento no território nacional, cerca de 13 milhões correspondem a povoamentos irregulares (povoamentos mistos, coberto inferior a 50%, baixas densidades e idades superiores à idade de corte ideal), pelo que é na melhoria do que tem sido a má gestão do eucalipto e não no aumento da área plantada que se pode investir, se se pretende apoiar esta indústria, apesar da tendência clara de redução do mercado mundial da celulose".
Quando vemos na televisão as pessoas idosas a serem retiradas das suas casas e a dizerem que nunca viram nada igual, têm razão: não houve nada como isto em Portugal. Nunca foram plantadas tão vastas áreas de 'explosivos' em contínuo. A morte dos bombeiros é sinal disso - da explosão violenta das próprias árvores e da velocidade de propagação com que o fogo se expande é bem distinta quando as chamas se deparam com castanheiros, carvalhos ou sobreiros. As vítimas dos fogos perdem quase tudo, mesmo quando lhes salvam a casa. Frequentes vezes ficam sem os animais, sem os pastos, sem qualidade de vida, sem terra para a agricultura. E sem vontade. Passam a viver no medo até morrerem. A maioria dos filhos e netos não ficarão ali para serem vítimas do mesmo ciclo infernal.
Mas, no limite, se nada disto interessa aos eleitores do litoral (onde estão os votos) ou ao cosmopolita elenco governativo, há três argumentos para que se mude algo, por razões de interesse próprio: não se respira bem nas cidades com tanto fumo; a qualidade da água vai ser cada vez pior; e até a carne dos animais, a fruta ou os legumes, criados nestes 'pastos de cinzas', trazem problemas de saúde a prazo.
Bombeiros mortos? Era também uma boa razão para se mudar de estratégia. Mas as vítimas não alteram o rumo do Governo.