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Admitamos que nunca se mente tanto como antes das eleições, durante uma guerra ou depois de uma caçada. Ora, temos pela frente um ciclo político de escolhas decisivas, num ano marcado por eleições legislativas e, logo depois, presidenciais. Estejamos pois prevenidos, porque já ecoam as trombetas. Seja qual for o desfecho das primeiras, há uma realidade que não podemos iludir e uma esperança que seria criminoso defraudar.
A chaga do desemprego - que por sua vez gera pobreza, miséria, exclusão e insegurança - é a face mais rugosa da nossa realidade. Tão dramática que impõe respostas, pactos, criatividade e soluções de grande consenso, entre os principais partidos. Sem paliativos.
Mais de um milhão de portugueses aptos a trabalhar continuam sem trabalho, logo sem salário. É um em cada cinco e, pior ainda, um em cada três entre os mais novos. E todos temos casos: na família, entre os amigos, na vizinhança.
Nos seis anos de austeridade que já levamos, Portugal perdeu 687 mil empregos. E embora o ano passado tenha trazido cerca de 70 mil novos postos de trabalho, tal significa que recuperámos apenas um em cada dez empregos perdidos desde o início da crise das dívidas soberanas.
Num território cujo interior foi votado ao abandono e num mar mítico que desistimos de navegar, nunca tão poucos portugueses se ocuparam das áreas produtivas tradicionais como a agricultura e pescas. Aí, em poucos anos, perdemos quase metade da força de trabalho. Eram mais de 600 mil em 2007, hoje não chegam aos 350 mil.
Lembrarão alguns que o problema, mais que português, é europeu. E com razão: 23 milhões de desempregados, sobretudo a sul, dão já o rosto à agonia de uma esperança: uma União Europeia fundada na solidariedade e na coesão social.
Levemos a sério os sinais de sobressalto cívico que nos vêm da Grécia, porque só com crescimento e emprego se derrota a austeridade. E, neste essencial, os principais partidos - regresso aos portugueses - terão de se pôr de acordo. Nem que, para realizarem o pacto possível, tenham de meter as mãos num saco de serpentes na esperança de apanhar enguias.