É sempre melhor fazer previsões em momento posterior àquele que se tentou adivinhar, assim nos ensinou o grande filósofo João Pinto com divina lucidez. Há no entanto situações em que não é precisa essa prudência. De facto, qualquer um tem a capacidade de antecipar que esta ou aquela decisão só podem vir a resultar em consequências nefastas. E nem é preciso ter notáveis dons de premonição. Basta uma operação de aritmética simples, do tipo dois mais dois é igual a quatro.
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Entre as situações de diagnóstico fácil (vai correr mal, vai correr mesmo mal!) estão aquelas em que se inventa um pretexto para a ingerência ou para pegar em armas por razões humanitárias ou para promover democracias. No plano mais tradicional e militar, ganhamos sempre "nós". Mas, depois, pagamos sempre com língua de palmo a prosápia e a ilusão da vitória no teatro de operações.
A Líbia é um dos casos recentes em que o fiasco é mais escandaloso, porque o país está bem pior hoje, depois da nossa ajuda, do que antes, às mãos do ditador Khaddafi. E, no entanto, não era fácil fazer pior. Khaddafi governou sem piedade durante mais de 40 anos, conseguindo é certo o milagre de unir - embora sob o jugo do medo - um país mais ou menos impossível. Apoiou o terrorismo, prendeu, torturou, e se necessário mandou matar quem se lhe opôs. A dada altura, foi longe de mais. E começou a guerra civil na Líbia, muito à conta dos ventos de uma "Primavera" árabe que nunca o foi.
Aí, não conseguimos ficar quietos. Alguns viram nesse momento de fragilidade uma oportunidade. Derruba-se o ditador, "instala-se" uma democracia e já está. Este tipo de convicção, por extraordinário que possa parecer, é partilhado por muitos. Muitos acreditam, de facto, que se se derrubar um regime pela força (seja ele o de um ditador, como Khaddafi, como tinha sido o de Saddam Hussein, como se tentou que acontecesse com Assad, na Síria), dá-se um estalido com os dedos e salta uma democracia bem fresquinha como um fino no pico do verão. O fino até pode saltar, a democracia garanto que não.
Saltam é novos problemas, alguns deles muito mais graves.
Por exemplo, uma parte significativa da atual capacidade de destruição do dito "Estado" "Islâmico" vem de erros que cometemos. Vem, nomeadamente, de esse grupo controlar parcelas do território líbio onde treina a matilha esfaimada que depois dali sai para matar. Veja-se, por exemplo, de onde vinham aqueles que lançaram o recente ataque terrorista na Tunísia contra o museu Bardo. Veja-se, por outro lado, onde têm a sua base muitas das redes criminosas que, a partir da Líbia, lançam em direção a norte milhares de desesperados metidos em cascas de noz. Fazer um bem (derrubar um ditador) pode, assim, ter como consequência um mal desproporcionalmente superior (criar uma hidra de novos ditadores ainda mais sanguinários; ou o caos do desgoverno).
Agora, a União Europeia quer estabilizar a Líbia, deixando claro que não está a pensar numa operação militar, mas antes em mecanismos que permitam que ali se estabeleça um Governo minimamente estável e que, por exemplo, se protejam as instalações petrolíferas do país. A Espanha, parte muito interessada (com Itália, Grécia e Malta), organiza em Barcelona, em meados de abril, uma conferência onde se juntarão os MNE da União Europeia e dos países do Sul do Mediterrâneo, com exceção... da Líbia e da Síria.
Pois, da Líbia. Fizemos cair Khaddafi em 2011, ao arrepio daquilo que dispunham as resoluções do Conselho de Segurança sobre o assunto e, quatro anos volvidos, aquele pobre país ainda não tem ninguém que, de forma credível, possa falar em seu nome.
É por isso que dizia acima que as situações de intervenção militar são de diagnóstico fácil: muito más, quase sempre um disparate trampolineiro.
Realmente, mais vale utilizar os neurónios em coisas interessantes. Por exemplo, entrei numa livraria anarquista, aqui, em Barcelona, e, entre outros opúsculos, saí de lá com "Os animais são parte da classe trabalhadora", de Jason Hribal, um "Manifesto contra o trabalho", do Grupo Krisis, e um "Contra a democracia", dos Grupos Anarquistas Coordenados. Estes, sim, são desafios "simples" e estimulantes para resolver no resto do fim de semana.