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Há duzentos anos, Gotthold Ephraim Lessing, na peça "Nathan, o Sábio", sonha com um Mundo em que judeus, muçulmanos e cristãos sabem conviver. Só há pouco mais de meio século, no Concílio Vaticano II, é que a Igreja Católica se abriu ao diálogo inter-religioso. Deixou de considerar que os que professavam outros credos estavam errados, pelo que, ou se convertiam, ou deviam ser aniquilados. A atualidade faz-nos acordar para a triste realidade de como, para tantos, é difícil conviver com o diferente.
Ainda se continua a utilizar o nome de Deus para matar e espalhar o terror, como aconteceu, na última semana, em França - e quase todos os dias no resto do Mundo. Tal como no passado, apela-se à religião, promovem-se os fundamentalismos para, em nome de um Deus construído à medida dos interesses que se pretendem atingir, se matar, roubar, aterrorizar e aniquilar o diferente.
A Europa trilhou um longo caminho de aceitação do outro e da abertura à diversidade. Mas o terrorismo está a espalhar a desconfiança e a rejeição daqueles que professam uma fé, embora só alguns matem em nome da conceção errada que têm do seu Deus e da sua religião. Esta é-lhes deliberadamente inculcada pelos que querem dominar e atingir outros objetivos que, sejamos claros, nada têm a ver com a fé.
O Papa Francisco tem denunciado e condenado o que alguns pretendem propor como uma "guerra santa" ou "guerra de religiões", mas que, no fundo, é uma "guerra de interesses". No avião a caminho da Jornada Mundial da Juventude na Polónia, em 2016, afirmou que "há guerra por dinheiro, há guerra pelos recursos da Natureza, há guerra pelo domínio dos povos: esta é a guerra. Alguém poderia pensar: "Está a falar de guerra de religião". Não. Nós, de todas as religiões, queremos a paz. A guerra querem-na os outros".
O Papa acredita, tal como Lessing, que é possível a convivência entre as diferentes religiões e que elas podem ser promotoras da paz. Disso foi um exemplo eloquente o abraço do Papa ao judeu Abraham Skorka e ao muçulmano Ombar Abboud, junto ao Muro das Lamentações, em Jerusalém. Desde o início do seu Pontificado que tem promovido o diálogo sadio entre religiões.
A peça de teatro "Nathan, o Sábio", que nunca tinha sido representada em Portugal, estreou a 9 de dezembro em Almada. Esteve desde quinta-feira até este domingo no Teatro de S. João no Porto. A encenação de Rodrigo Francisco, com a interpretação de excelentes atores, possibilitou, mais uma vez, que Lessing fizesse do palco o seu púlpito para denunciar os nefastos fundamentalismos religiosos e dizer aos que professam diferentes credos que têm "mesmo de ser amigos". Ou, na linha do pensamento e ação deste Papa, têm de ser promotores da paz.
Lessing propõe nesta peça aquele que é o critério para reconhecer uma verdadeira religião: levar a amar e a ser amado. No fundo, as três religiões monoteístas são diferentes caminhos para chegar ao amor, seja à maneira de Moisés, de Jesus Cristo ou de Maomé. O importante é amar e sentir-se amado por Deus.
Oxalá que esta peça, depois de ter estado em Almada e no Porto, possa também levar a pregação de Lessing a outros pontos do país. Ajudará a que mais pessoas se tornem mais abertas e acolhedoras ao diferente.
* PADRE