Lembra-se de aprender a andar de bicicleta? No meu tempo, o pai, ou um amigo, segurava na máquina ou amparava-nos (ou ambas as coisas) e dava-nos instruções: "pedala", "olha em frente"", "não tenhas medo que eu estou aqui". A certa altura ouvíamos gritar "não olhes para trás". Percebíamos que estávamos sozinhos. Não poucas vezes tínhamos medo. Olhávamos para trás. E caíamos. O desastre só era grande se já fossemos depressa. Os piores tombos aconteciam quando, adquirida a confiança, nos metíamos a fazer aquilo para que não tínhamos competência ou habilidade.
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A nossa libertação da troika é algo como reaprender a andar de bicicleta. Diz-se que nunca se esquece. A julgar pelos tombos que já demos, uma e outra vez, é melhor aprender tudo muito bem, desde o princípio.
No íntimo, ainda não nos sentíamos preparados para pedalar sozinhos. Talvez já não precisássemos do amparo. Ainda assim, sabermos que havia alguém por perto se nos desequilibrássemos, seria reconfortante. Não há! Que se há-de fazer? Vá lá que o terreno não é a subir. É até ligeiramente inclinado, o que facilita a autonomia. Continua a haver coisas a não fazer: andar aos ziguezagues significa que nos vamos estatelar; se acelerarmos em demasia esbarramos no primeiro obstáculo ou saímos de estrada na primeira curva. E se tivermos o azar do caminho começar a subir muito, vai ser difícil manter o equilíbrio.
A troika decidiu que se iria embora a 17 de Maio mas que andaria por aí se fosse realmente preciso. Imagino que quer dizer: se pressentir que surgem obstáculos insuperáveis para quem (re)aprende a andar de bicicleta. Pode acontecer: o conflito na Ucrânia degenerar em guerra aberta; uma mudança de humor dos sacrossantos mercados; o risco de deflação agravar-se; o proteccionismo regressar. Para já, salvo a ameaça da situação ucraniana que pode, por seu turno, afectar o mercado do gás e petróleo (atente-se, por isso, na prudência da posição germânica que, antes dos princípios, põe os interesses), o terreno ainda é a descer. Os Estados Unidos continuam a crescer; a prosperidade da China parece garantida, mesmo se a um ritmo mais lento embora, possivelmente, mais seguro; as taxas de juro estão historicamente baixas e até o BCE está, no que toca ao risco de deflação, a atingir o alargadíssimo tempo limite de reacção que sempre se concede.
Resumindo: não serão os factores externos a condicionar a (re)aprendizagem. O perigo está mesmo em nós próprios. O Governo anuncia-se confiante. Enquanto isso, guina para a esquerda e para a direita, proclama hoje o que amanhã desmente, quebrando uma regra sagrada. Se quem pedala (nós!) ganha medo, a queda é inevitável. Focado no apoio da troika, despreza o apoio de quem poderia facilitar a corrida, desde parceiros sociais até ao PS. Entusiasmado, acha que agora é sempre a descer e não vê os perigos e fraquezas de alguns factores de aceleração: a economia irá crescer acima do previsto mais à custa do aumento da procura interna (as importações dispararam) do que da externa; as exportações só têm impacto no crescimento quando o valor acrescentado nacional é elevado e não há uma mera substituição de clientes internos por externos; as empresas só melhoram a sua situação se venderem mais e/ou com melhor margem e disso depende a decisão de investir e recrutar.
Quando se aprende a andar de bicicleta há sempre quem desmereça das capacidades do aprendiz. É o que faz o PS: "se fosse eu, andava muito mais depressa". Não aprendeu nada com os trambolhões do passado. Critica, justamente, a desorientação ou as mentiras do Governo para, logo de seguida, fazer promessas irrealizáveis, desde as pensões à dimensão da Administração Pública. Nem sabemos se sabe pedalar e já anuncia que até sabe andar sem mãos. Confiava-lhe a sua bicicleta?
O perigo quando se está a aprender a andar de bicicleta vem, também, dos amigos que nos acompanham, estimulam, dão conselhos e, de repente, metem-se à nossa frente. Esperemos que o Tribunal Constitucional não se atravesse demasiado: o arranjo da bicicleta acaba quase sempre por ser pago por quem não devia!