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Aproximam-se os exames, sazonais como a fruta da época ou as aves migratórias ou os chocolates Ferrero Rocher; aproxima-se o último sacrifício antes da longa liberdade dos verões livres.
Quanto aos constrangimentos tímidos da liberdade adolescente, os exames nacionais são talvez o mal menor. Os alunos vão aprendendo que não há liberdade sem privação, e aprendem também a matéria, que é o bem menor. Sobretudo para quem aprendeu a estudar humanidades, a matéria nunca interessa tanto como saber sabê-la.
Comigo foi o latim, com regras um tanto matemáticas para as detestar, um tanto literárias para as amar; comigo foi o português dançando fora da gramática, a filosofia sem floreado e o grego clássico com olhos numa viagem (ainda hoje acho que contribuí para a bancarrota grega de 2008, já que o Ministério da Cultura desse país me pagou uma ida a Atenas); comigo foi sobretudo ter aprendido a moldar o barro.
Não tem que ver com manualidades. O barro era eu, a vida era ali, fazia-se nas vizinhanças do latim, do português, do grego e da literatura. No décimo ano, acabara de chegar de um colégio privado onde estas vizinhanças não existiam. Lá, só queriam o direito, a economia e a matemática.
Também o Porto só queria as ciências exactas, os alunos prontos a saber equações e cálculos que ainda hoje desconheço com alguma vergonha. Não fossem os meus pais e os pais dos outros, juntos no intuito romântico de formar o único agrupamento de línguas e literaturas da cidade, eu nunca teria sabido como pode ser extraordinário o ensino público.
Sou melhor por ter passado pelo Rodrigues de Freitas, então necessitado de tudo o que pedisse dinheiro - aquecimento durante o Inverno, água nas canalizações, sei lá que mais -, mas pleno de uma emulsão de vida que qualquer adolescente deve tomar. Lembro-me de que a estranheza do primeiro dia foi quase a estranheza do último: eu é que entretanto já era diferente.
A provação dos últimos exames nacionais chegava com os primeiros passos da saudade - os amigos com os quais lutara por amizade (desconfio de que na adolescência não haja amizade sem luta), os professores, até a angústia gasta dos corredores sem tinta, tudo dava saudades.
E o enunciado do exame, ponte a caminho da universidade, parecia rasgado ao meio e sem retorno. Era a última prova séria dos três anos mais seriamente inconsequentes. Aprender a estudar, descansem os bons alunos, nada tem que ver com estudos, e passar ao exame, descansem os maus alunos, nada tem que ver com resultados.
O autor escreve segundo a antiga ortografia