Há um ano, ambicionávamos um mundo livre da pandemia, focado em recuperar a normalidade perdida. A guerra na Ucrânia voltou a virar tudo de pernas para o ar. Sentimos novamente medo e, depois, experimentamos inesperados constrangimentos financeiros. Hoje, a ordem do imprevisível torna-se cada vez mais dominante.
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Para uma geração mais velha, habituada a alguma estabilidade laboral e com rotinas relativamente firmadas, talvez seja difícil confrontar-se com o inesperado, sobretudo quando isso implica mudanças estruturais na vida de todos os dias. Porém, é neste novo contexto que urge aprender a viver.
Num dossier algo surpreendente, a última edição deste ano da revista "Courrier International" trata da felicidade. E faz isso replicando vários artigos da Imprensa internacional que desperta agora para um tema inabitual nos média noticiosos: o bem-estar individual em contextos de adversidade. Num deles, publicado na revista alemã "Stern", destacam-se pessoas que acolhem as adversidades dos outros, procurando ajudas reais (como os bancos alimentares) ou espirituais (por exemplo, incrementando movimentos religiosos). E são cada vez mais aqueles que, em várias geografias, se disponibilizam para auxiliar quem mais necessita.
Recupera-se também o livro "Sobre a vida feliz", de Séneca, lembrando lições que deveremos ter sempre presentes. Uma delas é a do controlo das emoções a fim de impedir que estas se apoderem de nós de forma descontrolada. Outra é a de procurar juntar a alegria de viver aos cuidados com a saúde, desvalorizando corridas desenfreadas pela acumulação de bens. Em contextos de trabalho, a importância do que fazemos, diz o filósofo estoico, está, acima de tudo, no impacto que temos nos outros. Reabilitam-se, assim, valores como os do bem comum, da resiliência, do despojamento, que têm estado fora de moda num tempo em que o progresso é medido por índices quantitativos e materiais.
Nesta altura, os média fazem os seus balanços. Desta vez, quase todos escolhem a guerra na Ucrânia como o facto do ano. Ter um conflito armado às portas da Europa foi um choque. Por outro lado, ver a inflação crescer subitamente constitui para muitos de nós uma colossal preocupação para a qual não conseguimos encontrar qualquer mecanismo de defesa. Num mundo tão instável, precisamos de fazer mudanças profundas: de políticas, de alianças, de modos de vida... No plano individual, isso poderá ser motivo para uma boa reflexão nestes dias que se vivem a outro ritmo. Feliz Natal!
Professora associada com agregação da UMinho