Aprender com Timor-Leste
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A Constituição da República Democrática de Timor-Leste foi aprovada na sessão plenária da Assembleia Constituinte no dia 22 de março de 2002. Tinha passado pouco mais de meio ano sobre a sua eleição, a 30 de agosto de 2001. Após as eleições presidenciais que escolheram Xanana Gusmão como primeiro presidente da República, realizadas logo no mês seguinte, em abril, a Lei Fundamental do novo Estado independente iria entrar em vigor no mês de maio desse mesmo ano, com a tomada de posse do 1.° Governo Constitucional, chefiado por Mari Alkatiri, o líder da FRETILIN, principal partido da resistência à ocupação indonésia.
Dispondo de uma maioria absoluta muito confortável na Assembleia Constituinte, a FRETILIN imprimiu claramente a sua autoria quer na redação do texto, na sua justificação histórica e na proclamação dos direitos e das finalidades coletivas, quer nas soluções adotadas em matéria de organização do poder político e distribuição das atribuições respetivas pelos distintos órgãos de soberania. Por exemplo, a data da independência de Timor-Leste é a data da sua proclamação pela Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (FRETILIN) em 28 de novembro de 1975 e, por força da alínea j) do n.° 1 do artigo 156.° da Constituição, tal data não pode ser alterada nem sequer por revisão constitucional. Também a forma de governo misto "semipresidencial" - embora aparentada com o regime adotado pela constituição democrática portuguesa de 1976 - não foi escolhida por influência ou especial simpatia pela antiga potencia colonial europeia mas sim porque foi esse o regime que a maioria qualificada dos deputados constituintes, sob a liderança do partido vencedor, entendeu como sendo o que melhor servia as necessidades e os interesses do povo que lhes confiara a sua representação: um governo da FRETILIN, apoiado pela maioria absoluta dos deputados da Assembleia Constituinte, entretanto transformada em órgão legislativo ordinário: o Parlamento Nacional.
O que há de mais curioso é que apesar das crises políticas graves que o país atravessou em 2006 e 2007, da ameaça de guerra civil e da tutela militar internacional prolongada, das várias mudanças de governo ao longo da primeira legislatura e, por fim, do atentado contra a vida do presidente José Ramos Horta, pouco depois da sua eleição, apesar de tudo, dizíamos, a Constituição timorense nunca foi transformada em bode expiatório dos erros e dificuldades dos governantes, nem alguma vez se instituiu uma "querela constitucional" nem foi denunciada como "força de bloqueio". E, apesar de o Parlamento Nacional estar constitucionalmente investido de poderes constituintes, desde maio de 2008, nenhuma "revisão constitucional" foi empreendida até hoje! Bem pelo contrário, ao longo destes 11 anos cuidou-se, isso sim, de aprovar os instrumentos legislativos e de criar as instituições de Estado necessárias à concretização e desenvolvimento do quadro constitucional, desde o plano estratégico nacional, à legitimidade das instituições democráticas, à construção da democracia local, ao estatuto político administrativo especial do Oe-cusse Ambeno, à criação do Tribunal de Contas, ao combate à corrupção e à consolidação da independência judicial. Em suma, ao longo deste processo afirmou-se a legitimidade das instituições democráticas, ficou reforçada a confiança dos cidadãos e a autoridade do estado e desta forma se consolidou a força normativa da Constituição timorense.
A sociedade civil, as forças partidárias e os atores políticos, em vez de reclamarem a mudança das regras do jogo democrático ao sabor das suas conveniências, procuraram adaptar-se e conquistar as posições correspondentes às suas ambições políticas e aos seus projetos, no respeito pelas normas vigentes. A mesquinhez e o apego ao poder não fazem parte dos códigos de honra dos sucessivos chefes de Estado e chefes de Governo da jovem república timorense. Disto é primoroso exemplo o presidente Taur Matan Ruak que hoje nos visita.