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Estamos em plena altura das chamadas férias grandes da escola. Talvez por isso, o Governo tenha dado por si a começar a inventar, como eu, num verão, no início dos anos 2000, em que estava tão aborrecida que decidi pegar na máquina fotográfica e começar um projeto de uma fotonovela com caracóis. Infelizmente, foi um projeto que não teve a divulgação merecida; mais um daqueles que estão na gaveta. Enfim. Esta semana, o Ministério da Educação também quis agitar um bocado as águas da piscina e criou um novo guião para a disciplina de Cidadania. Sinceramente, eu nunca vi uma obsessão com uma disciplina como a que se tem com esta em particular. Supostamente, as disciplinas mais desafiantes são o Português ou a Matemática, mas a classe política não consegue passar a esta.
Parece que estas novas diretrizes revelam que se remeteu para um plano altamente secundário temas como a sexualidade e se reforçou o empreendedorismo e a literacia financeira. Ou seja, menos sobre bater punho e mais sobre bater punho. A sexualidade e a saúde reprodutiva são conceitos que, segundo este guião, não se considera essencial os jovens aprenderem. Abordar questões como a contraceção, o consentimento, doenças sexualmente transmissíveis ou poder expor as dúvidas com uma liberdade e esclarecimento que não se conhece em casa, foi considerado não prioritário. Aprender sobre HIV? Nem pensar. Só se tiver um A no final.
Até aqui, a sexualidade era um tópico obrigatório do programa da disciplina, mas o nosso primeiro-ministro, com a sua coligação com o partido cristão, salvou-nos dessa ameaça que é o conhecimento. Ufa! Podemos voltar àquele tempo mágico em que se acreditava que o método do coito interrompido era infalível, que se for só a pontinha não conta, que a indústria farmacêutica dos contracetivos tem uma cabala contra o teu namorado e insiste em não fazer preservativos que lhe sirvam, coitado. Que saudades daqueles tempos em que não se tocava numa pessoa seropositiva sem achar que se ia morrer. Em que as meninas tinham pouco conhecimento sobre a autoridade que têm sobre o seu corpo e acabam no banco de trás de um Citroen Saxo, porque, se são namoradas, têm de o fazer. É tudo uma excelente ideia. Por exemplo, conseguimos concordar todos que há um problema de falta de mão de obra especializada. A continuar assim, se a pornografia passa a ser o local de esclarecimento sobre a sexualidade, é possível que a indústria dos canalizadores e entregadores de piza assista a um boom de pessoal. É capaz é de gerar mal-entendidos, já que quando forem para a cama com alguém, a pessoa é capaz de não gemer tão alto ou ficar com os olhos tão arregalados com o tamanho do seu pénis. Mas depois dá-se-lhe um pontapé no queixo para ela não voltar a armar-se em esperta. Não, estou a exagerar. Esses sites não são para crianças. Só o puto sobredotado da turma seria capaz de quebrar o muro de segurança sofisticadíssimo que é o "Tem mais de 18? Sim ou não?"
As direitas mais radicais têm problemas sérios em falar de sexo, revelando que a educação sexual entrou muito tarde no sistema educativo. São contra a educação sexual nas escolas. São contra a despenalização do aborto. Fazem campanha contra famílias que dependem de apoios para sustentar as suas proles numerosas. É muito difícil achar que é uma área política útil para a nossa vida. Eu sou do tempo em que Luís Montenegro não queria qualquer tipo de envolvimento com o partido de extrema-direita, tornando mítica a frase “não é não”. De repente, julho de 2025, é isto. Não é um bom exemplo para os miúdos. Lá está. Precisam de alguém profissional que lhes explique o que é consentimento. O primeiro-ministro disse que o Chega começa a demonstrar responsabilidade, mas eu acho que, na verdade, estão só a seguir os conselhos de qualquer terapeuta de relacionamentos que diz que o segredo é encontrarem-se a meio caminho. Até o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, reagiu a esta notícia com "prefiro que aprendam na escola do que no TikTok", e eu concordo. No TikTok, deve ser para aprender a fazer uma receita de massa com tomate e queijo feta, não para aprender a fazer marmelada com a Joaninha atrás do pavilhão.
Mas se ensinar crianças sobre estes temas para se poder prevenir cenários de violência sexual, mitigar os comportamentos de risco e promover a igualdade de género e relações saudáveis, é perigoso e pode ir contra eventuais convicções familiares, para quê ficar por aqui? Ensinar estudo do meio pode ser perigosíssimo. As crianças depois chegam a casa com ideais malucas porque aprenderam nesse dia que a terra gira à volta do Sol e os pais pensam "este não é o negacionista que meti na carrinha da escola hoje de manhã".
Não, mas um Governo de direita está a ser mesmo fundamental para a resolução de problemas graves que assolam o país. Na educação passa por isto, na habitação temos o regresso dos vistos gold e da destruição de tetos sem medidas nem construção que acompanhe. Não sei quanto a vocês, mas eu estou ansiosa pelas reformas noutros sectores tão urgentes como a saúde. Eu aposto em sapos de porcelana à porta dos hospitais. Não sei. O que acham? Pensem nisto e digam-me em setembro.