O célebre poema de Brecht traduz com grande eficácia a razão de tendermos a inquietar-nos pouco com os atropelos à lei e à humanidade enquanto eles não nos tocam. Talvez essa seja uma das razões pelas quais fomos noticiando como coisas vagas o que sucedeu na Geórgia ou na Crimeia, e agora nos pareça surpreendente a invasão em larga escala da Ucrânia ou as inaceitáveis ameaças da Rússia à Finlândia e à Suécia.
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É difícil procurar lições positivas numa guerra, mas na análise que traça do caminho que nos trouxe até aqui, o ex-ministro Severiano Teixeira converge com outros especialistas num ponto: perceber de forma dramática a ameaça que a Rússia representa pode reforçar a coesão da União Europeia e fortalecer a NATO. "O medo é poderosíssimo do ponto de vista da criação da coesão e da identidade", sublinha o diretor do IPRI.
É ainda incerta essa capacidade de fortalecimento de uma União Europeia que se tem visto perdida no seu labirinto, com desafios que vão do Brexit aos crescentes extremismos, passando pela incapacidade de responder a sucessivas crises migratórias. A resposta humanitária volta a estar à prova agora, com uma fuga massiva da população ucraniana. Vão ser enormes os desafios causados pela vaga de refugiados, pelo agravamento dos preços, pela instabilidade global, por um conflito que não sabemos até que ponto poderá agigantar-se. E não nos basta a solidariedade típica de quem olha de longe.
Não deixa de ser irónico que seja preciso cair por terra a crença numa Europa construída sobre a liberdade, a lei e o diálogo para que se volte a acreditar na coesão e na matriz do projeto europeu. Aprendemos apenas sobre as cinzas. Melhor seria se resistíssemos em devido tempo a tudo o que atenta contra os princípios democráticos, contra a liberdade e a paz. Como os manifestantes russos que desafiam por dentro a loucura do poder ditatorial e olham nos olhos quem os vigia.
"Depois de falarem os dominantes, Falarão os dominados."
Diretora do JN