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Eu e a maioria dos que me estão a ler já tínhamos nascido e aquilo já andava em guerra, lá longe, mas com borbulhas. Fria, é certo, mas aquela ameaça nuclear permanente, utilizada como moeda única e arma de chantagem económica, era a maior úlcera a azedar a paz mundial.
Há duas noites que o Mundo parece acordar mais tranquilo, mas só o tempo avaliará o alcance histórico daquele abraço entre os presidentes das duas Coreias e a promessa mútua de procurarem soluções que conduzam à paz naquela desgraçada península com risco ao meio. Símbolo desse risco, de riscar e dividir, é a vergonhosa fronteira no paralelo 38, que atravessa e separa a aldeia de Panmunjom feita metáfora de dois mundos. Coreia do Norte e Coreia do Sul são sangue e carne do mesmo povo, a mesma língua, mas retalhado e tecnicamente em guerra há 65 anos. A Norte, a asa protetora da China sobre um país de economia pária, debaixo de uma ditadura opressiva. A Sul, a guarda avançada da economia americana na Ásia, mas com a proteção de quase 30 mil tropas deslocadas e a fazer despesa, a 14 mil quilómetros de casa...
A uns e outros separa-os muito mais que a fronteira mais militarizada do Mundo: também os conceitos de liberdade individual, democracia e paz, para lá da visão do papel que uma Coreia unida deveria jogar no xadrez entre as superpotências. Faz agora um ano, era exatamente disso que falavam os presidentes da China e dos Estados Unidos. Donald Trump e Xi Jiping tinham passado o dia em Palm Beach, na Florida, conversa tranquila, jogo de meio campo. Foi ao jantar, já iam no bolo de chocolate, quando Trump quis provar do que é capaz, mostrou músculo e anunciou a Xi que as tropas americanas acabavam de despejar os primeiros 59 mísseis sobre a Síria...
Ora, não consta que o chinês seja mau de ouvido. Anteontem, aquele abraço entre os presidentes da Coreia do Sul, Moon Jae-in, e da Coreia do Norte, Kim Jong-un amacia o caminho das complexas negociações que serão abordadas no não menos histórico encontro entre o líder de Pyongyang e Donald Trump, previsto para maio. As sanções internacionais sufocaram a Coreia do Norte e o seu povo. Ora, pressionado pela China a buscar uma saída honrosa para sair da crise, o presidente norte-coreano fez um curso acelerado de diplomacia, essa arte que (dizem os orientais) "ao invés da espada poupa mil vidas no campo de batalha", mas a escola de Kim ainda recita Chu En-Lai, um antigo líder comunista chinês, para quem "diplomacia é fazer a guerra por outros meios". Quem falou em chocolate?
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