Diz o ditado que de Espanha "nem bom vento, nem bom casamento", a que juntamos um esboço de sorriso para mostrar que isso são águas passadas.
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Desde que somos nação que o largo país aqui ao lado foi visto como fronteira que passávamos sem nos deter para chegar à Europa. Muito mudou nas últimas décadas: Espanha é o nosso mais importante parceiro comercial e o terceiro em origem de turistas. Os dois países livraram-se da ditadura quase ao mesmo tempo e entraram no mesmo ano na União Europeia. Por seu lado, Portugal integra a comunidade ibero-americana tal como Andorra, o que representa uma alteração substantiva da própria noção de Ibero-América que ainda hoje é para muitos espanhóis equivalente a América Latina. Tudo isto para dizer que nos conhecemos mal e vivemos de costas voltadas, com exceção da raia, em que se atravessa de um lado para o outro como se fosse o mesmo país, sem o trauma das fronteiras e das viagens clandestinas de má memória.
Existe, porém, uma longa história de relações culturais, desde o tempo em que se escrevia em português e espanhol, como Gil Vicente ou Camões, até aos movimentos iberistas de que Fernando Pessoa e Miguel Unamuno foram arautos sempre insistindo nas respetivas autonomias. Recordamos ainda o polémico romance de José Saramago "A jangada de pedra", publicado um ano após a entrada dos dois países na CEE, que serve de crítica ao pouco interesse dos europeus pelos países peninsulares, que se separam como uma jangada e navegam em direção a sul, metáfora de um futuro que se vai cumprindo nas alianças estratégicas de cada um dos países.
Mas continuamos estranhamente alheios. O número de notícias sobre Portugal na comunicação social espanhola é diminuto e, embora um pouco maior, as notícias sobre Espanha não merecem grande destaque. A demissão do primeiro-ministro espanhol pouco interesse mereceu em Portugal, talvez por ser uma morte anunciada num país fraturado a caminho do desconhecido. As eleições marcadas para 28 de abril terão consequências nas eleições europeias, mais importantes do que nunca com os avanços populistas e eurocéticos. Devolver a voz aos eleitores é a solução democrática que se impõe. Mas perante um difícil xadrez que apresenta uma explosiva aliança de partidos do centro à extrema-direita, as próximas eleições em Espanha anunciam um regresso ao passado que tornará ainda mais frágil a Europa e será um desafio para Portugal.
* Professora universitária
