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Ao fim de oito anos em coma, Ariel Sharon morreu. Foi, de entre todos os grandes líderes que Israel conheceu, o mais odiado pelos palestinos. É que, se Sharon foi um brilhante guerreiro, era também implacável e impiedoso. E, hoje, poucos discutirão que foi responsável por crimes de guerra.
De facto, e voltando atrás, a vida de Ariel Sharon confunde-se com a existência de Israel. Nasce em 1928, na Palestina ainda sob mandato britânico, naquela terra onde demasiados seguidores de Deus reivindicam o exclusivo e onde tantos lugares são simultaneamente santos para várias religiões.
Foi parte ativa em quase todos os conflitos em que Israel participou. Nunca admitiu a existência de um Estado da Palestina, porque, vindo ao Mundo na Palestina, só concebia, no essencial, a existência de um Grande Israel. Daí que sempre tivesse Yasser Arafat, símbolo da autodeterminação palestina, como inimigo figadal do Estado de Israel e, logo, como seu inimigo figadal. Arafat, como amiúde deixou claro, não era alguém com quem verdadeiramente se devesse negociar: porque era o inimigo.
Sharon seguiu em momentos marcantes da sua atividade militar e depois política a Lei de Talião. Quem mal fizesse a Israel devia sofrer, custasse o que custasse. Compreende-se, portanto, que tivesse sido o responsável pela Unidade 101, criada em 1953 exclusivamente para responder, a título de represália, para lá das fronteiras de Israel (na Jordânia, no Egito, em Gaza), e dissolvida pouco tempo depois, por lhe ter sido imputado um massacre de civis na Jordânia.
É sob sua influência que, no verão de 1982, Israel invade o Líbano. Para além dos objetivos declarados, aquela ação militar tinha outros muito mais largos: do que se tratava era de escorraçar de vez a OLP do Líbano. E, se Arafat fosse capturado ou morto, melhor ainda.
Em setembro desse ano, um acontecimento marca com o ferrete da infâmia aquele que agora morreu. Como represália devido ao assassinato do presidente libanês Bechir Gemayel, milícias cristãs que combatiam ao lado de Israel lançam a sua sanha num campo de refugiados palestinos, deixando morte, violência e saque no seu rasto. O massacre de Sabra e Chatila, porque assim ficou conhecido, não teria sido possível tivessem as forças israelitas querido impedi-lo. E tê-lo--iam impedido se o ministro da Defesa de Israel o tivesse querido. Ariel Sharon não o quis, e não podia ignorar o que, durante dias, estava a ser feito em Sabra e Chatila. Porque mesmo uma comissão de inquérito israelita o condenou como "responsável indireto".
Para muitos, Ariel Sharon foi e será um herói. Para muitos, Ariel Sharon foi e será um criminoso, um homem brutal, um carniceiro. Será possível que tenha sido, na sua plenitude, as duas coisas? Na verdade, se estamos a falar da Terra Prometida, é muito difícil que consigamos fugir aos paradoxos.
A BBC reporta que o ator egípcio Nabil al-Halafawi escreveu no Twitter o seguinte: "Sharon morreu há vários anos, hoje vai ser presente a julgamento". Desconheço qual possa ser o veredito. Mas não deve ser fácil a decisão do Deus de Ariel Sharon.
